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Os fariseus e a tradição - Marcos 7


Os fariseus e a tradição
1 - E AJUNTARAM-SE a ele os fariseus, e alguns dos escribas que tinham vindo de Jerusalém.
2 - E, vendo que alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar, os repreendiam.
3 - Porque os fariseus, e todos os judeus, conservando a tradição dos antigos, não comem sem lavar as mãos muitas vezes;
4 - E, quando voltam do mercado, se não se lavarem, não comem. E muitas outras coisas há que receberam para observar, como lavar os copos, e os jarros, e os vasos de metal e as camas.
5 - Depois perguntaram-lhe os fariseus e os escribas: Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem o pão com as mãos por lavar?
6 - E ele, respondendo, disse-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, Mas o seu coração está longe de mim;
7 - Em vão, porém, me honram, Ensinando doutrinas que são mandamentos de homens.
8 - Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas.
9 - E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição.
10 - Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou o pai ou a mãe, certamente morrerá.
11 - Vós, porém, dizeis: Se um homem disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta ao Senhor;
12 - Nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe,
13 - Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.
14 - E, chamando outra vez a multidão, disse-lhes: Ouvi-me vós, todos, e compreendei.
15 - Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o homem.
16 - Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.
17 - Depois, quando deixou a multidão, e entrou em casa, os seus discípulos o interrogavam acerca desta parábola.
18 - E ele disse-lhes: Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar,
19 - Porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora, ficando puras todas as comidas?
20 - E dizia: O que sai do homem isso contamina o homem.
21 - Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios,
22 - Os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura.
23 - Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem.

A mulher cananéia
24 - E, levantando-se dali, foi para os termos de Tiro e de Sidom. E, entrando numa casa, não queria que alguém o soubesse, mas não pôde esconder-se;
25 - Porque uma mulher, cuja filha tinha um espírito imundo, ouvindo falar dele, foi e lançou-se aos seus pés.
26 - E esta mulher era grega, siro-fenícia de nação, e rogava-lhe que expulsasse de sua filha o demônio.
27 - Mas Jesus disse-lhe: Deixa primeiro saciar os filhos; porque não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos.
28 - Ela, porém, respondeu, e disse-lhe: Sim, Senhor; mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas dos filhos.
29 - Então ele disse-lhe: Por essa palavra, vai; o demônio já saiu de tua filha.
30 - E, indo ela para sua casa, achou a filha deitada sobre a cama, e que o demônio já tinha saído.

Jesus de volta ao mar da Galiléia. Cura de um surdo-mudo
31 - E ele, tornando a sair dos termos de Tiro e de Sidom, foi até ao mar da Galiléia, pelos confins de Decápolis.
32 - E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente; e rogaram-lhe que pusesse a mão sobre ele.
33 - E, tirando-o à parte, de entre a multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua.
34 - E, levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abre-te.
35 - E logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava perfeitamente.
36 - E ordenou-lhes que a ninguém o dissessem; mas, quanto mais lhos proibia, tanto mais o divulgavam.
37 - E, admirando-se sobremaneira, diziam: Tudo faz bem; faz ouvir os surdos e falar os mudos.

Os fariseus e a tradição, a mulher cananéia e a segunda multiplicação dos pães - Mateus 15



Os fariseus e a tradição 
1 - ENTÃO chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo:
2 - Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão.
3 - Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição?
4 - Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá.
5 - Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe,
6 - E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.
7 - Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo:
8 - Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim.
9 - Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.
10 - E, chamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi, e entendei:
11 - O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.
12 - Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram?
13 - Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada.
14 - Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.
15 - E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola.
16 - Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?
17 - Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora?
18 - Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem.
19 - Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.
20 - São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.

A mulher cananéia
21 - E, partindo Jesus dali, foi para as partes de Tiro e de Sidom.
22 - E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemoninhada.
23 - Mas ele não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós.
24 - E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.
25 - Então chegou ela, e adorou-o, dizendo: Senhor, socorre-me!
26 - Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
27 - E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores.
28 - Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã.
29 - Partindo Jesus dali, chegou ao pé do mar da Galiléia, e, subindo a um monte, assentou-se lá.
30 - E veio ter com ele grandes multidões, que traziam coxos, cegos, mudos, aleijados, e outros muitos, e os puseram aos pés de Jesus, e ele os sarou,
31 - De tal sorte, que a multidão se maravilhou vendo os mudos a falar, os aleijados sãos, os coxos a andar, e os cegos a ver; e glorificava o Deus de Israel.

A segunda multiplicação dos pães
32 - E Jesus, chamando os seus discípulos, disse: Tenho compaixão da multidão, porque já está comigo há três dias, e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça no caminho.
33 - E os seus discípulos disseram-lhe: De onde nos viriam, num deserto, tantos pães, para saciar tal multidão?
34 - E Jesus disse-lhes: Quantos pães tendes? E eles disseram: Sete, e uns poucos de peixinhos.
35 - Então mandou à multidão que se assentasse no chão,
36 - E, tomando os sete pães e os peixes, e dando graças, partiu-os, e deu-os aos seus discípulos, e os discípulos à multidão.
37 - E todos comeram e se saciaram; e levantaram, do que sobejou, sete cestos cheios de pedaços.
38 - Ora, os que tinham comido eram quatro mil homens, além de mulheres e crianças.
39 - E, tendo despedido a multidão, entrou no barco, e dirigiu-se ao território de Magadã.

Odisséia de Homero - Livro XIV

O herói, por serros e áspera azinhaga,
Segue do porto, à selva, o divo busca
Leal pastor, que lhe afirmou Tritônia
Ser dos escravos dele o mais zeloso.
5 Achava-se ao portal, num sítio alegre
Onde, n’ausência do amo, edificara,
Sem da senhora auxílio ou de Laertes,
Vistoso amplo curral de pedra ensossa;
De espinho sebe em roda, e cerca de achas
10 Do cerne de carvalho externa havia.
Na área em chiqueiros doze conchegados,
Em cada qual cinqüenta, se espojavam
Prenhes porcas; dormiam fora os machos,
Poucos, pois de contínuo aos pretendentes
15 O mais nédio cevado remetia:
Trezentos e sessenta eram por todos.
Ao pé jaziam quatro cães de fila,
Pelo porqueiro maioral mantidos.
Este a seus pés talhava umas sandálias
20 De táureo tinto coiro; três ajudas
As varas pastorar, mandara o quarto
Conduzir constrangido um bom capado,
Que na régia a gulosos recheasse.
Ladrando os brabos cães a Ulisses correm,
25 Que assenta-se manhoso e o bordão larga;
Mas vítima seria, se o porqueiro,
Cair deixando o coiro, à pressa e em gritos
Não viesse a pedradas enchotá-los.
E a ele se virou: “Meus cães, ó velho,
30 Quase, por meu labéu, que te espedaçam,
E os deuses de outras penas me acabrunham:
Choro a engordar os cerdos para estranhos,
E o meu divo senhor quiçá faminto
Vaga de povo em povo, se é que vive
35 E goza a luz do Sol. Comida e vinho
Terás naquela choça, e tu repleto,
Me refiras teus males e aventuras.”
     Na choça introduzido, em ramas densas,
De agreste cabra com velosa pele,
40 Do porqueiro acamadas, pousa Ulisses,
E lho agradece: “Abençoado amigo,
Compensem-te os Supremos o agasalho.”
     Tu respondeste, Eumeu: “Ninguém desprezo,
Qualquer acolherei de ti somenos;
45 Jove os mendigos e hóspedes protege,
Aprova os tênues dons que a medo faço,
Pobre servo, a mancebo submetido!
O Céu de meu senhor veda o regresso,
Que tanto me queria, e, como é de uso
50 Para com bons escravos laboriosos,
A envelhecer aqui, me enriquecera
Com mulher e pecúlio, pois os deuses
Têm prosperado meu serviço. Ai dele!
Pereça toda a geração de Helena,
55 Dano e exício de heróis! Para essa Tróia
Também foi meu senhor vingar o Atrida.”
     E ataca mal o cinto, e dous farroupos
Trazendo, os mata e lhes chamusca pêlo,
Corta, espeta, e no espeto o assado quente
60 Oferece e apolvilha de farinha;
Vinho melífluo em copo de sobreiro
Mistura, à face do hóspede se assenta:
“Anda, ora come do que aos servos cabe;
Os cevados aos procos se reservam,
65 Que do castigo olvidam-se impiedosos.
Néscios! os numes a violência odeiam
E a virtude honram só. De alheias plagas
Invasores hostis, que em naus de espólios
Onustas partem pôr favor de Jove,
70 Temem-se do castigo; os procos, julgo,
Voz divina informou da triste morte.
Nenhum de núpcias trata ou de ir-se embora,
Todos em voraz ócio os bens estragam:
Uma nem duas vítimas lhes bastam;
75 Noites e dias, quantos Jove alterna,
Consomem carnes, ânforas esgotam.
Em Ítaca e no escuro continente,
Não há magnata que possua tanto,
Nem vinte juntos; a resenha escuta:
80 Pastam-lhe em terra firme doze armentos,
E há porcadas iguais, iguais rebanhos,
Vastos cabruns encerros, com pastores
De fora ou do país; nesta ilha mesma,
Guardam fiéis cabreiros onze fatos,
85 E eu rejo estas pocilgas. Nós forçados,
Pensão quotidiana, remetemos
A mais nédia cabeça a tais senhores.”
     Tácito Ulisses come e ávido bebe,
Ideando a vingança; e, confortado,
90 A copa do porqueiro aceita plena,
Jubiloso e veloz: “Rico era e forte
Quem te comprou, qual, hóspede, o apregoas?
Morto o crês pela causa de Agamemnon:
Talvez o conhecesse eu vagamundo;
95 Sabe a etérea mansão, quando o nomeies,
Se ocultar testemunho em mim depares.”
     “Velho, constesta Eumeu, não mais se apoiam
Em peregrino algum a esposa e o filho:
Quanto são mentirosos os mendigos!
100 A senhora os socorre e asila e inquire;
Mas incrédula geme, qual viúva
Que lamenta o marido ao longe extinto.
Urdir hoje uma fábula pretendes,
Para de capa e túnica mudares?
105 As entranhas cães e aves lhe tragaram,
Ou, dos peixes roído, a vaga os ossos
Lançou-lhe à praia e os cobre densa areia.
Morreu, morreu, deixando em luto amigos,
Mormente a mim, que o não terei tão brando,
110 Nem que de pai e mãe voltasse à casa,
Onde a luz vi primeiro e me criaram:
Tão saudoso os não choro e a pátria amada,
Como Ulisses me lembra. Até receio,
Pois tanto me estimava e destinguia,
115 N’ausência nomeá-lo, irmão n’ausência
Mais velho o chamo, a suspirar por ele.”
     E o divo herói: “Bem que emperrado o negues,
Não temerário to assevero e juro,
Ulisses vem; de alvíçaras me aprontas
120 Capa e túnica, inteira vestidura;
Mas, inda que indigente, o prêmio enjeito,
Antes que ele se mostre em seu palácio:
Como do inferno as portas, abomino
Falácias da pobreza. Atesto Jove,
125 De teu amo o lar puro a que me encosto
E a mesa hospitaleira, o anúncio é vero:
Neste ano e lua mesma, ou na vindoura,
Cá de retorno, punirá severo
Os ultrajes da esposa e de seu filho.”
130  Não ganharás alvíçaras, meu velho,
Ajunta Eumeu; não conto mais com ele.
Bebe tranqüilo; outras lembranças volve,
Que este assunto angustia-me e contrista.
Juramentos a parte, oh! se viesse,
135 Qual o anelo, Penélope e Laertes,
E o deiforme Telêmaco. Esta agora
Única planta choro, que ao celeste
Bafo eu supunha igual de rei medrasse
Em garbo, esforço e mente; mas, iluso
140 Por imortal ou por humano, a Pilos
Do pai foi-se em procura, e à volta os procos
O incidiam cruéis, para que arranquem
Da ilha a estirpe do divino Arcésio.
Basta; se escape ou não, toca ao destino,
145 E o Satúrnio o proteja. Ora me explanes
Quem és, de que família, de que terra,
Os infortúnios teus; que exímios nautas
E em que navio aqui te conduziram?
A Ítaca não creio a pé viesses.”
150 Começa Ulisses: “Narrarei sincero.
Se de espaço a lograr teu vinho e pasto,
Incumbido o serviço a outros sendo,
Fôssemos nesta choça, inda que um giro
Decorresse anual, não me era fácil
155 Expor as penas que infligiu-me a sorte.
     “O Hilácides Castor, na extensa Creta.
Gerou-me numa pelice comprada,
E a par de seus legítimos criou-me
E honrava em seu palácio; é glória minha
160 De um pai vir dos Cretenses endeusado,
Por opulência e muita clara prole.
No Orco o sumiu fatal necessidade:
Meus irmãos tudo em lotes partilharam,
Escassos bens e um teto me cederam.
165 Casei por meu valor com rica herdeira,
Pois fugaz, nunca fui nem vil e inerte:
Posto porém que as forças me falecem,
De tamanha miséria quebrantadas,
Pela palha avalia o que era a messe.
170 De Mavorte e Minerva obtive audácia:
Hostes rompi; se, infenso e belicoso
Da emboscada elegia os camaradas,
Nunca da morte o horror se me antolhava;
Sempre avante, os contrários punha em fuga,
175 De lança indo alcançando os mais ronceiros:
Tal em combates fui. Nunca me aprouve
Na família cuidar, cuidar nos filhos;
Sonhava em remos, naus, zargunchos, frechas,
Em petrechos de guerra sanguinosos:
180 Dos homens são diversos os prazeres;
Um deus nesse meu ânimo cevava.
Antes de irmos a Tróia, vezes nove
Regi corsários: da escolhida presa,
Aos matalotes sorteado o resto,
185 Locupletou-se a casa, e entre os Cretenses
Tive grande renome e autoridade.
Mas, decretando Jove aquela empresa
Tão matadoura, os povos me expediram
Adido a Idomeneu; sem resistirmos,
190 Que o público rumor nos obrigava,
Velejamos. Nove anos pelejou-se:
Ao décimo, assolada Ílio Priaméia,
Dispersa no regresso a frota Aquiva,
Ai! guardou-me o Satúrnio outros pesares!
195 “Um mês único estando em meus haveres
Com filhos e a mulher que esposei virgem,
A vogar para o Egito inclino a idéia,
E nove embarcações tripulo em breve,
Reses degolo e sagro; os divos sócios
200 De solenes festins seis dias gozam.
De Creta largo ao sétimo, e do puro
Bóreas ao fresco alento, qual se fosse
Veia abaixo, aportamos sem perigo,
Aos pilotos e ao vento encomendados.
205 À quinta singradura o Egito enxergo,
No rio surjo caudaloso e belo;
Exorto a se manter a bordo a gente,
E encalho as naus flutívagas, mandando
À terra exploradores. Estes loucos,
210 A impulsos do apetite, agros depredam,
Matam, mulheres e crianças roubam:
Mas, ao rumor, de madrugada acorrem
Éqüites e peões erifulgentes
Que enchem toda a campina e o Fulminante
215 Medo incutindo aos meus, nenhum resiste;
Cercados, parte a bronze agudo acaba,
É reduzido o resto a cativeiro.
Mesmo o deus (mais valera que eu no Egito
Falecesse e os trabalhos atalhasse)
220 Isto inspirou-me: o elmo da cabeça,
Do ombro tiro o broquel, deponho a lança;
Do rei boto-me ao coche e as plantas beijo.
Com mágoa do meu pranto, ele consigo
Dirigiu-me a seu paço; e, bem que de hastas
225 O sanhoso tropel me acometia,
Contê-los soube, atento ao Padre sumo,
Às injúrias dos hóspedes avesso.
     “Sete anos lá no Egito enriquei muito,
Pois muito me brindavam; mas, no oitavo,
230 Cadimo comilão, vezeiro e useiro,
Induziu-me à Fenícia pátria sua,
E me reteve. As estações volveram;
Para ajudá-lo na descarga, à Líbia
Fingido o avaro me arrastou, vender-me
235 Tencionando: embarco suspeitoso.
Creta avistamos com sereno Bóreas;
Mas, alagada a ilha, os céus e o ponto
Sós nos rodeiam; Júpiter cerúlea
Grossa nuvem desfecha, ofusca os mares,
240 Fuzila, toa; um raio a nau revira
E enxofra toda; a gente cai nas ondas,
Como alcatrazes de redor flutuam,
Da volta os priva um deus; que, em tanta afronta,
No mastro me salvou. Nele abracei-me
245 Dias nove, e à dezena escura noite,
Quase a morrer de frio e de fadiga,
Arrojou-me à Tesprócia um rolo d’água.
Do régio herói Fídon o amado filho,
Levantando-me, ao pai guiou-me afável,
250 Que me proveu de túnica e vestidos.
     “Lá foi que ao bom monarca ouvi de Ulisses,
Hóspede seu; mostrou-me os dons em cópia,
De ouro, de bronze ou trabalhado ferro,
Para dez gerações talvez sobejos:
255 Em depósito achavam-se no erário,
Dês que ao Dodônio falador carvalho
Foi-se o Laércio demandar a Jove
Se, após tão largo tempo, aqui regresse
Oculta ou claramente. O rei jurou-me,
260 Com libações, que a nau já tinha prestes
E a companha que à pátria o conduzissem.
     “Fídon, sendo teu amo inda em consulta,
Num Tesprócio navio, que a Dulíquio
Frumentária partia, remeteu-me
265 À real proteção do ilustre Acasto;
Mas, com malvado arbítrio, ao largo a gente,
Maquinando afundir-me em servil dia,
Despojam-me, e o que vês grosseiro trapo
Vestem-me e este gabão. Na tarde abordam,
270 Prendem-me à toste com torcida corda,
Saltam para cear na praia amena:
Fácil os mesmos deuses me desatam;
À cabeça o capuz, do leme ao fio
N’água deslizo, a braços remo e nado;
275 Inadvertido escapo, terra tomo,
De flório carvalhal me estiro à copa.
A suspirar procuram-me, e cansados
Vogam de novo: o Céu, pois meu destino
Inda é viver, manteve-me escondido,
280 E a benfazejo teto encaminhou-me.”
     E Eumeu: “Tal vaguear, tanto infortúnio,
Me abalou. Só de Ulisses nada creio:
Homem cordato, como assim mentiste?
Balda esperança! Em Tróia o Céu vedou-lhe
285 Morte egrégia ou nos braços dos amigos:
Honrara ao filho o túmulo exalçado,
E as harpias inglório o têm roído!
Solitário entre os porcos, só me movo
Da prudente Penélope ao chamado,
290 Quando há qualquer notícia. Os que a ladeiam,
Ou chorem meu senhor ou se comprazam
De gastar-lhe a fazenda, me interrogam:
Nada investigo, dês que um vago Etólio,
Neste alvergue hospedado por homizio,
295 Jurou que o viu na régia, estando em Creta
As naus a reparar de uma tormenta:
Que no estio ou no outono aqui seria
Com imensa fortuna e os divos sócios.
E tu, velho infeliz, que o deus me envia,
300 Não penses me agradar com tais embustes:
Não te honrarei nem te amarei por eles,
Sim porque temo a Jove e hei de ti mágoa.”
     Ulisses replicou: “Nem juramentos
Vencem-te a pertinácia! Ante os Supremos,
305 Sacro ajuste se firme: a vir teu amo,
Segundo os meus desejos, me transportes,
Com manto novo e túnica, a Dulíquio;
Senão, de alto os ajudas me despenhem,
Para que outro mendigo não te engane.”
310 Logo o pastor: “Minha virtude e fama
Agora e no porvir se manchariam.
Como! a vida arrancar-te, neste asilo
Depois de te acolher! Ao grã Tonante
Nunca mais suplicar me atreveria.
315 Hora é de ceia, e os sócios cá não tardam,
Para mais abundante a prepararmos.”
     Chegam nisto os serventes, e as manadas
A pernoitar encerram nos chiqueiros,
Que ressoam de roncos e grunhidos.
320 Insta-os o maioral: “Trazei-me um porco
Ótimo, que, imolado ao peregrino,
Regale-nos também, já que albidentes
Animais com fadiga pastoramos
E outros sem trabalhar impune os comem.”
325 Eis racha a bronze a lenha, e ao lar presentam
Um quinquene cevado. Não se esquece
Dos imortais; raspa da nuca o pêlo,
Queima em primícias, do amo a volta implora.
Um troço de carvalho não fendido
330 Na rês descarga; sangram-na, chamuscam,
Desentranham, dividem; na gordura
Eumeu porções do corpo todo envolve
E ao fogo os põe de farro apolvilhadas;
As postas a preceito assam de espeto;
335 E, do brasido à mesa vindo as carnes,
Alçado o justo Eumeu, conforme ao rito,
Forma sete quinhões: um vota às ninfas
E ao que nasceu de Maia, e os mais reparte
A cada comensal; o dorso inteiro
340 Do albidente por honra a Ulisses coube,
Que em júbilo exclamou: “Dileto a Jove
Tanto fosses, Eumeu, quanto me és caro.
Tu que nesta miséria assim me tratas!”
     “Do que há, disse o pastor, come a teu gosto
345 O deus, hóspede egrégio, os bens outorga,
Ou tira a seu prazer, pois tudo pode.”
E as primícias oferta aos Sempiternos,
Liba, o copo ao turrífrago sentado
Junto ao quinhão transmite. Os pães Melausio
350 Distribui, que o pastor, ausente Ulisses,
Sem sabê-lo Penélope ou Laertes,
Do seu comprara aos Táfios. Satisfeitas
Sede e fome, levanta o escravo a mesa,
E os convivas contentes vão deitar-se.
355 Brusca a noite, chovia sempre Jove,
Mádido sempre o Zéfiro espirava;
Por tentar se o capote lhe conceda
Solícito o pastor, ou qualquer outro,
Um conto Ulisses tece: “Eumeu, vós todos,
360 Escutai-me a vanglória; pois com vinho
Doudeja o sábio, cantarola e dança,
Ri solto, parla o que era bom calasse:
Ora desato a língua, e nada encubro.
Oh! saúde eu tivesse e o vigor d’antes,
365 Ao pormo-nos em Tróia de emboscada!
Ulisses comandava e o louro Atrida,
Sendo eu terceiro por escolha de ambos.
Ante o muro jazíamos armados,
Entre urzes e morraças pantanosas;
370 Bóreas esfria o tempo, geia e neva,
Encaramela o arnez; de escudo aos ombros,
Dormindo os mais embrulham-se em capotes;
O meu tinha esquecido, não cuidoso
De que gelasse, e de broquel e banda
375 Nítida vim somente. Um terço a noite
Já decorria, os astros resvalavam;
O cotovelo do vizinho Ulisses,
Que prestes me sentiu, belisco e falo:
— Solerte herói, domado pelo inverno
380 Vai-se-me a vida: falta-me o capote;
Que a túnica bastava persuadiu-me
Algum demônio, e agora é sem remédio. —
     “Ele, exímio no prélio e no conselho,
Com pronto aviso em baixa voz responde:
385 Cal-te não te ouça a escolta. — E ao braço e punho
Apoiando a cabeça: — Amigos, disse,
Visão divina o sono interrompeu-me;
Longe estamos da frota; alguém se apresse
A pedir a Agamemnon um reforço. —
390 Lesto levanta-se o Andremônio Toas,
Larga o purpúreo manto e à frota corre;
Seu manto enfio, e durmo até que fulge
A aurora em trono de ouro. Ah! se eu tivesse
Aquela idade e força, um dos pastores
395 Me daria um capote, em reverência
Ao homem de valor; mas, roto e velho,
Pouco socorro espero e poucas honras.”
Acode Eumeu: “Foi guapa a tua história
Nem discorreste em vão, cordato amigo.
400 Não te faleça roupa, ou cousa alguma
Que há mister suplicante peregrino;
Mas teus andrajos de manhã retoma;
De muda nada temos, uma andaina
De roupa há cada qual. Em vindo o filho
405 De Ulisses, te dará túnica e manto,
E os meios de partir para onde queiras.”
     Nisto, ao fogão lhe achega e alastra a cama,
Que de espólios cabruns e ovelhuns cobre;
Deita-lhe em cima o gabinardo espesso
410 Que em temporais tremendos envergava.
O herói se estira, muito perto os moços;
Porém não pôde Eumeu longe dos porcos
Pegar no sono, e, com prazer de Ulisses
De que houvesses tal zelo em sua ausência,
415 Para sair cortante espada ombreia,
Veste albornoz ao vento impenetrável,
Mais uma pele de crescida cabra;
Contra os mastins e os malfazejos dardo
Rijo empunha, e dormir foi com seus porcos
420 Em caverna de Bóreas abrigada.

NOTAS AO LIVRO XIV
21-57 - Vara de porcos, não vem em Constâncio, posto que venha em Morais, e que Lobo, na Corte na Aldeia, diga ser o mais próprio para significar a reunião destes animais. — Eumeu, com a pressa de ir buscar sustento para o hóspede, aperta mal o cinto. M. Giguet diz: “Eumée relève sa tunique, qu’il passe dans sa ceinture.” Diz Pindemonte: “La tunica si strinse col cinto, et alle spalle in freta mosse.” Nem um nem outro, parece-me, exprimiu o pensamento: o essencial e o belo é ter o pastor, com o afogo de servir o seu hóspede, atacado mal o cinto, para não perder tempo. Esta passagem assim entendida, como é forçoso que o seja à vista do texto, foi louvada por Chateaubriand.
182-186 - É antiquíssimo o costume de não se atender ao modo por que se ganhou a fortuna: fosse por furtos, vexações, pirataria, pouco importa; há dinheiro, e basta. Não raramente, as condecorações e os títulos vêm dourar o baixo metal de que se compõem certas riquezas; e no futuro os descendentes honrar-se-ão do negro tronco donde procedem.
237 - Alagar-se a terra é frase marítima, assim como arrasar-se, para exprimir que ela com o andar do navio tem desaparecido: falta nos dicionários.
409-416 - Gabinarda, ou gabinardo como dizem Filinto e outros, é um grande capote de mangas; vem em Morais e não em Constâncio. Quanto a albornoz, capa aguadeira de capuz, eu assim o pronuncio pelas razões do mesmo Constâncio, e não albernoz, como escrevem com Filinto alguns autores. Ir para o índice do livro