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4 de julho de 2018

Guerra da Gália - Livro VI

COMENTÁRIOS DE CARLOS JÚLIO CÉSAR À GUERRA DA GÁLIA

Livro I - Livro II - Livro III - Livro IV - Livro V - Livro VI - Livro VII - Livro VIII

ARGUMENTO
Cesar, prevendo maior movimento na Galia, aumentou as tropas c. 1. Rendidos os Nervios, Senones e Carnutes, subjuga os Menapios c. 2-6. Labieno debela os Treviros c. 7-8. Cesar passa novamente o Rim c. 9, e oferecendo-se-lhe ocasião de comparar os costumes da Galia com os da Germania, descreve uma e outra nação c. 10-28. Provocados de balde os Suevos, volta aos Eburões c. 29-33, e enquanto lhes tala a campanha, os Sugambros atacam os arraiais de Cicero, e fogem com medo de Cesar que se aproxima c. 34-42. Assolados os campos dos Eburões, e encerrada a asesmbléia da Galia, parte para a Itália a reunir as juntas c. 43-44.

I - Contando por muitos motivos com maior movimento na Galia, resolve Cesar encarregar de fazer levas de soldados aos lugar-tenentes M. Silano, C. Antistio Regino, T. Sextio; pede ao mesmo tempo a Cn. Pompeio, proconsul residente junto a Roma com autoridade militar, por assim o exigir o interesse público, ordene que se reunem as signas e marchem para o exército da Galia, os que alistara na Galia Cisalpina sob juramento de cônsul, julgando importar muito ao nosso crédito na Galia, atual e futuro, parecerem tão grandes os recursos da Itália, que, no caso de algum revés, fossem as perdas não só prontamente reparadas, mas o fossem ainda com maiores forças. Fazendo Pompeio a concessão ao bem público e à amizade, e concluindo os seus as levas com presteza, organizaram-se, e chegaram três legiões antes de terminar o inverno e duplicou-se assim o número das coortes perdidas com Titurio, mostrando Cesar, quer na celeridade, quer nas forças, quanto valiam a disciplina e os recursos dos Romanos.

II - Morto Induciomaro, como mostramos, é o poder conferido a seus parentes pelos Treviros. Não desistem eles de solicitar os Germanos comarcãos, prometendo dinheiro. Encontrando algumas cidades dispostas a segui-los, confederam-se com elas por juramento recíproco, e dão-lhes reféns por fiança do dinheiro; compreendem também a Ambiorix na confederação. Sabido isto, e vendo preparar-se guerra por toda parte, acharem-se em armas os Nervios, Aduatucos e Menapios, com todos os Germanos daquém Rim, não acudirem os Senones ao chamado sobre entrarem na conjuração com os Carnutes e cidades comarcãs, e serem os Germanos solicitados com freqüentes embaixadas pelos Treviros, resolveu Cesar fazer a guerra mais cedo.

III - Assim, sem estar ainda terminado o inverno, reunindo as quatro legiões mais próximas cai de improviso sobre as fronteiras dos Nervios, e tomando-lhes, antes que eles pudessem reunir-se ou fugir, grande quantidade de gado e homens, presa que distribui pelos soldados, e devastando-lhes as terras, os obriga a render-se e dar-hes reféns. Concluída esta expedição com preste za, reconduz de novo as legiões aos quartéis de inverno. Marcada a reunião da assembléia da Galia para o princípio da primavera, como costumava, e comparecendo todos, menos os Senones, Carnutes e Treviros, o que julga começo de guerra e rebelião, deixa de lado todo e qualquer negócio para acudir a este, e transfere a reunião da assembléia para Lutecia dos Parisios. Eram os Parisios vizinhos dos Senones, e tinham com estes constituído uma só cidade em outras eras, mas não entravam nesta conjuração. Exposta a sua resolução do alto do tribunal, parte com as legiões contra os Senones, e ali chega a marchas forçadas.

IV - Sabida a sua vinda, Accão, o principal autor da conjuração, ordena à multidão se encerre nas praças fortes. Quando a isso se dispunham, e antes de o poderem fazer, anuncia-se que os romanos lhes batiam às portas. Desistem da resolução por necessidade, e enviam embaixadores a Cesar, desculpando-se e implorando perdão: fazem-no por intermédio dos Heduos, cuja cidade tinha outrora com eles amizade. Intercedendo os Heduos, de boamente lhes concede Cesar o perdão, e aceita a desculpa; pois entendia dever empregar o estio em ocorrer a guerra iminente, e não em fazer averiguações. Exigindo-lhes cem reféns, os dá a guardar aos Heduos. Mandam-lhe também os Carnutes embaixadores e reféns, servindo-se da mediação dos Remos, em cuja clientela estavam; obtém a mesma concessão. Encerra Cesar a assembléia, e ordena às cidades lhe forneçam cavalaria.

V - Pacificada esta parte da Galia, põe todo empenho e ardor na guerra contra os Menapios e Ambiorix. Ordena a Cavarino que o acompanhe com a cavalaria dos Senones, para que, ou por seu rancor, ou pela má vontade, que lhe tinha a cidade, não fosse ocasião de alguma sublevação. Feito isto, tendo por averiguado que Ambiorix não havia de aceitar batalha, estuda projetos deste, para frustrá-los. Vizinhavam os Menapios com os Eburões, e, protegidos por perpétuos pântanos e bosques, eram os únicos da Galia que nunca tinham mandado embaixadores a Cesar a pedir-lhe paz. Sabia ter Ambiorix contraído com eles hospitalidade; e haver, pelos Treviros, feito amizade com os Germanos. Entendia dever, antes de lhe fazer a guerra, tirar-lhe aqueles auxílios, afim que, perdida a esperança de salvação, não se fosse ou esconder entre os Menapios, ou reunir com os Germanos dalém Rim. Tomado este acordo, manda as bagagens de todo o exército a Labieno nos Treviros, e ordena sigam com elas para lá duas legiões: marcha ele mesmo contra os Menapios com as cinco legiões restantes. Estes, fiados nas dificuldades do terreno, deixam de reunir tropas, e refugiam-se nos bosques e pântanos, levando o que era seu.

VI - Divididas as tropas com o lugar-tenente C. Fabio e o questor M. Crasso, penetra Cesar no país com três corpos de exército por pontes feitas com rapidez, incendeia edifícios e aldeias, e apodera-se de grande quantidade de gado e homens. Reduzidos a tais apuros, mandam os Menapios embaixadores a Cesar pedir paz. Depois de lhes aceitar reféns, declara este que havia tê-los no número de inimigos, se recebessem em suas fronteiras, ou a Ambiorix ou a embaixadores seus. Assentando nisto,deixa-lhes de guarnição a Comio Atrebate com a cavalaria e marcha contra os Treviros.

VII - Emquanto Cesar efetuava estas operações, dispunham-se os Treviros, reunidas grandes forças de infantaria e cavalaria, a atacar a Labieno e a legião, que invernava em suas fronteiras, e já distavam apenas dele uma marcha de dois dias, quando são informados de terem vindo duas legiões enviadas por Cesar. Colocados arraiais a quinze mil passos de distância, resolvem esperar pelas tropas auxiliares dos Germanos. Sabendo dos projetos do inimigo e contando ter pela temeridade deles ocasião de batê-los, deixa cinco coortes de guarda às bagagens, marcha a encontrá-los com as outras vinte e cinco e fortifica arraiais, metidos mil passos de permeio. Havia entre Labieno e o inimigo um rio de difícil passagem e ribanceiras escarpadas. Não tencionava o mesmo passá-lo e supunha o não passariam também os inimigos. Crescia diariamente a esperança de socorro a estes. Declara ele publicamente no concelho, que, pois corria de plano aproximarem-se os Germanos, não havia de arriscar os seus haveres e os do exército e levantaria campo no seguinte dia ao romper d'alva. É isto levado incontinenti aos inimigos, sendo que do grande número de cavaleiros Gauleses alguns havia a quem a natureza impelia a favorecer o partido gaulês. Convocados os tribunos dos soldados e os centuriões mais graduados, expõe-lhes Labieno o seu plano e para mais facilmente dar aos inimigos suspeitas de temor, manda levantar campo com mais estrepito e tumulto, do que é uso entre Romanos. Deu assim à partida visos de fuga. É isto também, em tanta proximidade de arraiais, logo antes do dia conhecido dos inimigos por exploradores.

VIII - Mal saía a nossa retaguarda das fortificaçôes, quando os Gauleses, animando-se entre si a não largarem das mãos a esperada presa, como dizerem, que longo era, aterrados os Romanos, esperar pelo auxílio dos Germanos, e não condizia com seus brios deixarem de, com tantas tropas, atacar um tão pequeno corpo de exército, demais a mais quando ia fugindo, e embaraçado, não hesitam em passar o rio e travar combate em lugar desvantajoso. Suspeitando o que havia de ser, Labieno, para atrai-los a todos aquém do rio, adianta-se sossegadamente, usando da mesma simulação de retirada. Mandando depois levar um pouco para diante, e colocar as bagagens numa eminência, diz aos seus: "Soldados, eis a ocasião, que desejastes: tendes o inimigo embaraçado e em lugar desvantajoso; prestai-nos a nós lugar-tenente o apoio do mesmo valor, que muitas vezes prestastes ao general, e suponde que ele está presente e vê o que obrais." Ao mesmo tempo manda voltar as signas contra o inimigo, e ordenar em batalha; e, despedidos alguns esquadrões para guarda das bagagens, dispõe a cavalaria nos flancos. De repente os nossos, levantado clamor, arremessam os pilos contra os inimigos. Eles, tanto que, contra a esperança, viram virem contra com as signas infensas os que supunham irem fugindo, não lhes suportaram o choque sequer, e postos em fuga logo no primeiro recontro, demandaram as próximas selvas. Perseguindo-os com a cavalaria, depois de morto um grande número, e aprisionados muitos, submete Labieno a cidade dentro de poucos dias: porquanto os Germanos, que tinham vindo em auxílio, recolheram-se ao seu país, logo que presentiram a fuga dos Treviros. Seguindo-os, sairam também com eles da cidade os parentes de Induciomaro, promotores da rebelião. A Cingetorix, que fica dito haver-nos sido fiel desde princípio, é conferido o principado e supremo poder.

IX - Depois que se transportou dos Menapios aos Treviros resolveu Cesar passar o Rim por dois motivos: era o primeiro haverem os Germanos mandado contra ele auxílio aos Treviros; o segundo, privar a Ambiorix de ter acolheita entre eles. Tomada esta resolução, determinou fazer uma ponte pouco acima do lugar, onde anteriormente passara o exército. Sendo conhecida a maneira de construi-la, em poucos dias conclui-se a obra por grande diligência dos soldados. Deixando uma forte guarnição à cabeça da ponte nos Treviros, para que não rebentasse da parte destes algum levantamento repentino, passa as restantes tropas e a cavalaria. Os Ubios, que haviam antes dado reféns, e feito a sua submissão, mandam-lhe embaixadores, para justificar-se alegando que a sua cidade não enviara auxílio aos Treviros, nem violara a fé pública, e pedindo suplicantemente, que os poupasse, para que no ódio contra todos os Germanos não pagassem os inocentes pelos culpados; pois, se queria mais reféns, estavam prontos a dá-los. Averiguado o negócio, vem Cesar no conhecimento de que o auxílio tinha sido prestado pelos Suevos; aceita a satisfação dos Ubios, e trata de examinar as entradas e caminhos para Suevos.

X - Neste interim é, ao cabo de poucos dias, informado pelos Ubios de que os Suevos juntavam todas as tropas num lugar, e intimavam às nações, que estavam sob seu domínio, lhes enviassem forças auxiliares de infantaria e cavalaria. Sabido isto, provê ao fornecimento de víveres; escolhe lugar próprio para arraiais; ordena aos Ubios, tirem seus gados dos pastos, e conduzam tudo o que for seu, dos campos para as praças fortes, esperando que homens bárbaros e inexperientes podiam, obrigados da falta de provisões, ser levados a pelejar desvantajosamente; e recomenda-lhes enviem frequentes exploradores aos Suevos afim de saberem o que ali se passa. Cumprem os Ubios com o ordenado, e metidos de permeio poucos dias, referem: "Que todos os Suevos, depois de lhes haver chegado notícia certa da vinda do exército romano, se tinham embrenhado com todas as tropas suas, e as reunidas dos aliados, nos últimos confins de seu território: que havia aí uma selva de infinita grandeza, chamada Bacenis, a qual se estendia muitíssimo para o interior e oposta com muralha natural, protegia de ataques e incursões, aos Cheruscos contra os Suevos, aos Suevos contra os Cheruscos: que no principio desta selva resolveram os Suevos aguardar a vinda dos Romanos."

XI - Já que somos chegados a este ponto, parece não ser alheio do assunto tratarmos dos costumes da Galia e da Germania e do que constitue a diferença entre estas duas nações. Há na Galia facções, não só em cada cidade, cada aldeia, e cada parte desta, mas até, para bem dizer, em cada casa; e são cabeças destas facções os que se reputam entre eles ter o maior crédito, para que a direção de todos os negócios e resoluções se faça a seu arbítrio e juizo. Isto parece ter sido antigamente instituído, para que todo o homem do povo encontrasse proteção contra os poderosos, sendo que ninguém tolera serem os seus oprimidos e enganados, pois, se procedesse de outra forma, não teria crédito algum para os de sua clientela. Esta forma de administração é uma e única na Galia toda; porque não há nela uma só cidade que não esteja dividida em dois partidos.

XII - Quando Cesar veiu à Galia, eram os Heduos cabeceiras de uma facção, os Sequanos de outra. Estes, como menos poderosos, porque a maior autoridade residia antigamente nos Heduos, que tinham grandes clientelas, associaramse aos Germanos e Ariovisto, atraindo-os a si com grandes peitas e promessas. Havendo ganho muitas batalhas, e morto toda a nobreza dos Heduos, cresceram em poder, que traspassaram para si grande parte dos clientes dos mesmos Heduos, receberam destes em reféns os filhos dos principais, obrigaram-nos a jurar em nome da cidade, que nada tentariam contra eles Sequanos, apossaram-se por conquista do território comarcão, e exerceram a supremacia em toda a Galia. Levado a tal extremidade partiu Diviciaco para Roma a implorar auxílio ao senado, mas teve de voltar sem haver conseguido coisa alguma. Com a mudança de coisas operada pela vinda de Cesar, sendo entregues os reféns aos Heduos, restituídas as antigas clientelas, e adquiridas outras novas com o favor de Cesar, pois os que se lhes agregavam como amigos, viam que ficavam de melhor partido, e com direção mais equitativa, acrescentado em tudo mais o seu crédito e dignidade deles, decairam os Sequanos da supremacia. Sucederam-lhes os Remos no lugar; pois, sendo reputados iguais no favor de Cesar, os que por velhas inimizades se não podiam de maneira alguma unir com os Heduos, dedicavam-se aos Remos como clientes. Estes os protegiam com empenho, e mantinham assim uma autoridade nova e formada de repente. Tal era então o estado de coisas entre os Gauleses, que os Heduos eram reputados os mais principais, e os Remos, ocupar o segundo lugar em dignidade.

XIII - Dois são em toda a Galia os gêneros de homens, que são tidos em alguma conta e estimação. Pois a plebe, que nada ousa por si, e a nenhum concelho é admitida, quase é tida no lugar de escravos. Os mais dela, quando se vêm oprimidos, ou por dívida, ou pela grandeza dos tributos, ou pela prepotência dos poderosos, escravizam-se aos nobres, que exercem sobre eles os mesmos direitos, que os senhores sobre os escravos. Mas destes dois gêneros um é o dos druidas, o outro, o dos cavaleiros. Aqueles entendem nas coisas sagradas, curam dos sacríficios públicos e particulares, e explicam as doutrinas e cerimônias da religião: a eles acode grande número de adolescentes com o fim de instruir-se, e esses são tidos em muita estimação. Pois os druidas decidem de quase todas as contendas públicas e particulares; e, se se comete crime, ou perpetra morte, se se disputa sobre herança, ou limites, julgam e estabelecem recompensas e castigos; se algum particular ou povo recusa sujeitar-se à decisão, lançam-lhe interdito na participação aos sacrifícios; o que é entre eles pena gravíssima. Os que assim incorrem no interdito, são tidos por ímpios e celerados, todos se apartam deles, fogem do seu acesso e conversação, para que não recebam dano com a comunicação, nem se lhes faz justiça, quando a solicitam, nem participam de honra alguma. A todos estes druidas porém preside um, que exerce a suprema autoridade, Morto este, ou lhe sucede o que sobresai em dignidade, ou se há muitos iguais na hierarquia, é eleito pelo sufrágio dos druidas: algumas vezes também disputam a preeminência pelas armas. Estes, em certo tempo do ano juntam-se em lugar consagrado nas fronteiras dos Carnutes, que se reputam o centro de toda a Galia. Para aqui se dirigem todos os que têm pleitos, e sujeitam-se às suas decisões e sentenças. Supõe-se haver sido esta doutrina deparada na Bretanha, e dali trans mitida à Galia; e ainda agora os que desejam estudá-la fundamentalmente, lá vão às mais das vezes aprendê-la.

XIV - Costumam os druidas abster-se da guerra, e não pagam os tributos a que estão sujeitos os mais Gauleses; gozam da isenção da milícia e da imunidade de todos os encargos. Excitados por tais vantagens, muitos são os que os procuram para instruir-se na sua ciência, seja por livre vontade, seja mandados por seus pais e parentes. É fama que aprendem aí grande número de versos (e alguns há que gastam vinte anos neste estudo); mas não se permite escrevê-los, sendo que em tudo mais, ou se trate de negócio público, ou particular, usam de caracteres gregos. Parece-me que assim o instituiram por duas razões: primeira, evitarem que a sua doutrina se espalhe pelo vulgo; segunda, não deixarem os que aprendem, de cultivar a memória, fiados nos escritos; pois acontece ordinariamente, que com o socorro destes omitem muitos o cuidado de decorar, e o cultivo da memória. Fazem sôbretudo acreditar que as almas não perecem, mas passam, depois da morte, de uns para outros corpos, e com isso julgam incitar-se principalmetite ao valor, desprezando o medo da morte. Discorrem também muito sobre os astros e seu movimento, sobre a grandeza do mundo e a da terra, sobre a natureza das coisas, sobre a força e poder dos deuses imortais e transmitem os discursos à mocidade.

XV - O outro gênero é o dos cavaleiros. Estes, quando é necessário, e ocorre alguma guerra (o que antes da chegada de Cesar quase todos os anos costumava a suceder, ou para empreenderem correrias, ou para repelirem as dos vizinhos), vão todos à guerra, e como cada um mais sobresai em nobreza e haveres, tanto mais guarda-costas e clientes têm em torno de si. Nisto fazem consistir todo seu crédito e poder.

XVI - Toda a nação dos Gauleses é mui dada a superstições e por isso os que são acometidos de enfermidades graves, andam nas batalhas, e correm perigo, ou imolam vítimas humanas, ou prometem imolá-las; pois, a não se dar vida de homem por vida de homem, não julgam placável o poder dos deuses imortais; e estatuem sacrifícios públicos deste gênero. Alguns há que formam simulacros de descomunal grandeza, cujos membros tecidos com vime enchem de homens vivos, e aos quais lançado fogo, expiram homens abrasados pelas chamas. Reputam mais agradáveis à divindade os sacrifícios dos que são surpreendidos em furto, roubo, ou algum delito, mas, na falta destes, descem também aos sacrifícios dos inocentes.

XVII - Adoram principalmente ao Deus Mercurio. Muitos são os simulacros, que dele possuem: consideram-no como o inventor de todas as artes, o guia dos caminhos e jornadas, o maior protetor no ganho de dinheiro e no comércio. Veneram depois dele a Apolo, Marte, Jupiter, Minerva. Destes tem quase a mesma opinião, que as mais nações: isto é, que Apolo expele as doenças, Minerva transmite os princípios dos artefactos, Júpiter tem o império dos céus, Marte preside à guerra. A este, quando se prepoem pelejar, votam as mais das vezes o que hão de tomar na guerra; imolam, depois de vencerem, os animais tomados, e depositam os mais objetos da presa num lugar. É de ver em muitas cidades montões destes objetos acumulados em lugares consagrados; e quase nunca acontece que, desprezando a religião, ouse alguém ou esconder em si o que tomou, ou tirar o que foi depositado, sendo que gravíssimo suplício com torturas está reservado a este crime.

XVIII - Todos os Gauleses se apregoam descendentes de Dite, segundo lhes é transmitido pelos druidas. Por isso calculam a divisão do tempo, não pelo número dos dias, mas pelo das noites e contam-se os dias natalícios, e os princípios de meses e anos de modo que o dia vem sempre depois da noite. Nos mais usos da vida quase que só diferem dos outros povos em não consentir que seus filhos se aproximem deles em público, senão quando têm crescido a ponto de poder suportar o encargo da milícia, pois reputam indecoroso que o filho de idade pueril esteja em público na presença do pai.

XIX - Ao dinheiro que, a título de dote, trazem as mulheres com que casam, juntam os maridos, feita a estimação, outro tanto de seus bens com os dotes. De todo este dinheiro faz-se um assento conjuntamente, e vai-se acumulando o rendimento. Àquele dos dois cônjuges que sobrevive, pertence a parte de um e outro com o rendimento de todo o tempo decorrido até então. Os homens têm, na qualidade de maridos, direito de vida e morte sobre suas mulheres, assim como na de pais, sobre seus filhos; quando morre algum pai de familia de ilustre linhagem, reunem-se os parentes do morto, e se há suspeita sobre a morte, põem as suas mulheres a tormento de escravos, e se se descobre que existe crime, fazem-nas perecer pelo fogo com todo gênero de torturas. Os funerais dos Gauleses são proporcionalmente a seu estado de cultura magníficos e suntuosos; todos os objetos, que amaram em vida, compreendidos os animais, são-lhes lançados na fogueira; e pouco antes deste tempo os escravos e clientes, que constava lhes haverem sido caros, eram igualmente queimados nos funerais.

XX - As cidades que passam por melhor reger-se, têm estabelecido nas leis, que se alguém souber da parte dos povos vizinhos por boato ou fama alguma coisa que interesse a república, o participe ao magistrado, sem comunicá-lo a qualquer outro; pois tem-se reconhecido que homens imprudentes e sem experiência se deixam aterrar por falsos rumores, e impelir ao crime tomando resoluções precipitadas sobre negócios da maior importância. Os magistrados ocultam o que parece reservado, e comunicam à multidão o que reputam conveniente. Dos negócios de Estado não é permitido falar, senão em pública assembleia.

XXI - Os Germanos diferem muito em costumes. Assim, nem têm druidas, que presidam as coisas divinas, nem sacrifícios. Contam unicamente no número dos deuses, os que vêm, e cujo socorro lhes é abertamente profícuo; isto é, ao Sol, a Vulcano, a Lua; os outros, nem ainda por fama conhecem. Toda a sua vida se passa em montearias e no mister das armas: afazem-se de pequeninos ao trabalho e à aspereza. Os que se conservam por mais tempo imberbes, são os mais estimados entre os seus, que acreditam que com isso se desenvolvem a estatura e as forças, e fortalecem os nervos. Conhecer mulher antes de fazerem os vinte anos, têm-no por vergonhosíssimo, sendo que o não podem esconder, pois não só se lavam promiscuamente nos rios, mas vestem-se de peles e com vestidos curtos feitos das de rangífero, ficando nua grande parte do corpo.

XXII - Não se esmeram na agricultura, e a mor parte de seu sustento consiste em leite, queijo e carne. Nenhum tem campo demarcado ou de sua propriedade; mas os magistrados e os principais designam cada ano as gentes e parentelas, que vivem em comum, tanto espaço de campo para lavrar, quanto e onde parece conveniente, e os obrigam no seguinte ano a passar para outra parte. Muitas são as razões que dão desta usança, tais como: - para não trocarem, demovidos pelo hábito, o ardor guerreiro pela agricultura, não procurarem alargar cada um o seu campo, o mais poderoso a custo do mais fraco, não se ocuparem em construções próprias a guardá-los do frio e da calma, não fazerem nascer entre eles a ambição de dinheiro, donde procedem as facções e as discórdias, e conterem a plebe por um princípio de equidade, vendo cada um que iguala em riqueza ao mais poderoso.

XXIII - Para as cidades o maior título de glória é terem solidões em torno de si, assolados quanto mais largamente os territórios comarcães. Consideram próprio de seu valor obrigar os vizinhos a retirarem-se expulsos de seus campos, sem ousarem fazer assento perto delas; reputam-se ao mesmo tempo em mais segura, porque não têm incursões repentinas a temer. Quando qualquer cidade, ou repele a guerra de invasão, ou a faz, elegem-se, para dirigi-la autoridades, que exercem o direito de vida e morte. Durante a paz não há autoridade alguma comum mas os maiorais dos cantões e aldeias distribuem justiça entre os seus e terminam as contendas. Os latrocínios, que se praticam fora das fronteiras, nenhuma deshonra trazem; tem-se como próprios para exercer a mocidade e diminuir-lhe a ociosidade. Quando algum dos principais declara no concelho, que há de ser chefe de uma expedição, e que, os que quiserem segui-lo, o dêm a conhecer, levantam-se aqueles que têm confiança na empresa e no homem, prometem-lhe o seu auxílio e são louvados pela multidão; os que dentre estes o não seguem, são tidos em conta de desertores e traidores, e a ninguém mais merecem crédito em coisa alguma. Não julgam permitido violar a hospitalidade; os que entre eles se acolhem por qualquer motivo, são protegidos e tidos por sagrados; todas as casas se lhes abrem, e facultam~se-lhes víveres.

XXIV - Houve tempo em que os Gauleses excediam aos Germanos em valor, faziam-lhes guerra de invasão e por causa da multidão de homens, e da falta de terras, enviavam colônias além Rim. Assim os lugares os mais férteis da Germania em volta da selva Hercinia, (que vejo ter sido por fama conhecida de Eratostenes, e de certos gregos, com o nome de Orcinia), foram ocupados pelos Volcas Tectosages que neles se estabeleceram e permanecem até hoje, gozando de grande reputação de equidade e bravura, vivendo na mesma pobreza, necessidade e privações, que os Germanos e usando dos mesmos alimentos e vestuário. Aos Gauleses, porém, a vizinhança de nossa província e a importação de objetos transmarinos, ministram muitas coisas para viver em abundância e comodidade; acostumados pouco e pouco a ser vencidos e derrotados em muitas batalhas, hoje nem eles mesmos se comparam em valor àqueles.

XXV - A largura desta selva Hercinia, de que acima falei, é de nove dias de jornada para o viandante expedito: nem de outra maneira se pode calcular, porque não conhecem as medidas itinerárias. Começa nas fronteiras dos Helvecios, Nemetes, e Rauracos, e seguindo o curso do Danúbio, estende-se até às fronteiras dos Daces e Anartes; daí torce à esquerda, e, com direção diversa da do rio, penetra por sua grandeza nas fronteiras de muitas nações; não há nesta parte da Germania quem diga haver com jornada de sessenta dias chegado ao princípio dela, ou tenha ouvido dizer de onde nasce: muitas são as espécies e alimárias, que consta nascerem nela, e não se vêm em outros países; eis as que dentre elas mais diferem das conhecidas e parecem dignas de ser mencionadas.

XXVI - Há um boi com figura de cervo, do meio de cuja frente, entre as orelhas, se levanta um corno mais alto e direito, que os que vemos nos outros animais cornígeros. Da sumidade deste corno difundem-se largamente umas como palmas e ramos. A mesma é a natureza do macho e da fêmea; a mesma, a forma e grandeza dos corpos.

XXVII - Há também dos animais, que se chamam alces. Assemelham-se às cabras na figura; são um pouco maiores em tamanho, de pele variegada, e mochos de cornos; têm as pernas sem nós, nem articulações; não se deitam para repousar; e, se por algum acidente caem, não se podem mais erguer, nem levantar do chão. As árvores lhes servem de leito; encostam-se a estas e assim tomam repouso um pouco reclinados. Quando pelo rasto dão os caçadores fé do lugar, a que costumam recolher-se estes animais, desarraigam nele todas as árvores, ou as cortam por modo que só apresentam a aparência de estarem em pé. No momento em que se vão segundo o costume reclinar, derribam com o peso as árvores cortadas e caem juntamente com elas.

XXVIII - O terceiro gênero é dos que se chamam uros. São na grandeza pouco inferiores ao elefante; têm a aparência, cor e figura do touro. Grande é a sua força e velocidade. Nem a homem, nem a fera, vistos, poupam. Matam-nos, fazendo-os cair artificiosamente em fojos. Neste trabalho se endurecem os adolescentes; neste gênero de montearia se exercitam; e grande louvor alcançam os que maior número de uros matam, apresentando em prova os cornos destes animais. Nem ainda apanhados pequenos se podem afazer à presença do homem e domesticar. A amplidão, figura e beleza de seus cornos, difere muito da dos cornos de nossos bois. Procuram-nos com cuidado, guarnecem-lhes as bodas de prata e usam deles como copos nos grandes banquetes.

XXIX - Depois que se soube pelos exploradores Ubios haverem-se os Suevos retirado para as selvas, receioso de carência de provisões, sendo que mui pouco se dão os Germanos à agricultura, como se disse, resolve Cesar não avançar mais; mas, para não tirar totalmente o medo de sua volta, e afim de retardar aos bárbaros a remessa de forças para a Galia, depois de retirada do exército, rompe, na extensão de duzentos pés, a última parte da ponte, que tocava nas ribanceiras dos Ubios, constroi na extremidade oposta uma torre de quatro andares, e deixa para a defesa da ponte uma guarnição de doze coortes, fortificando o lugar com grandes entrincheiramentos. A este lugar e sua guarnição prepõe o adolescente C. Volcacio Tulo. E, como começassem a amadurecer os pães, marcha ele próprio para a guerra de Ambiorix pela floresta das Ardenas, que é a maior de toda a Galia, e extende-se desde as margens do Rim e fronteiras dos Treviros até aos Nervios por um espaço de mais de quinhentas milhas, fazendo-se preceder, no intuito de adiantar com a celeridade da marcha e oportunidade do tempo, por L. Minucio Basilo com toda a cavalaria, ao qual recomenda proiba fazerem-se fogueiras nos arraiais, para que não seja denunciada de longe a sua vinda, e assegura que em breve seria com ele.

XXX - Age Basilo, como lhe fora recomendado. Fazendo uma marcha rápida, e contra a opinião de todos, surpreende a muitos dos inimigos nos campos: por indicação destes se dirige para onde se dizia estar Ambiorix com poucos cavaleiros. Muito pode a fortuna na guerra, assim como em tudo mais. Pois assim como por grande acaso sucedeu que Basilo desse com Ambiorix incauto e desapercebido, e que a vinda do primeiro fosse vista de todos, antes de poder ser anunciada pela fama e pelos correios, assim foi de grande fortuna para o segundo escapar da morte, perdendo todo o trem bélico, que tinha em volta de si, e carros e cavalos. Mas assim aconteceu, porque sendo a sua casa circundada de um bosque (como de ordinário são as casas dos Gauleses, que, para evitar a calma, buscam quase sempre a vizinhança dos bosques e dos rios), os seus companheiros e amigos sustentaram por um pouco o ataque de nossa cavalaria em um desfiladeiro. Emquanto estes pelejavam, fé-lo um dos seus montar a cavalo: os bosques o protegeram na fuga. Assim muito pode a fortuna, quer no afrontar, quer no evitar o perigo.

XXXI - Se Ambiorix deixou de reunir suas tropas de propósito, por entender não se dever combater, ou se por não caber no tempo reuni-las, e ver-se embaraçado de o fazer com a repentina chegada de nossa cavalaria, é coisa que se não pode bem determinar. O que é certo, é que, despedindo correios pelos campos, ordenou que cada um provesse na própria segurança. Deles se refugiaram na selva das Ardenas: deles em uma não interrompida continuidade de paúes os que vizinhavam com o Oceano, ocultaram-se naquelas ilhas, que os estos costumam formar; muitos, saindo de suas fronteiras, se confiaram a si, e o que era seu, a outras inteiramente estranhas. Catuvolco, rei de metade dos Eburões, que se tinha associado a Ambirorix, não podendo já, alquebrado pela idade, suportar o trabalho ou da guerra ou da fuga, cobrindo de todo o gênero de execrações a Ambiorix, envenenou-se com teixo, de que há grande cópia na Galia e Germania.

XXXII - Os Segnes e Condrusos, povos de raça germânica, que demoram entre os Eburões e os Treviros, mandaram a Cesar embaixadores pedir-lhe que os não tivesse no número de inimigos, nem julgasse ser uma e a mesma a causa de todos os Germanos, que habitavam aquém Rim: que nenhuma parte haviam eles tomado na guerra, nem enviado socorros alguns a Ambiorix. Verificado o caso por inquirição dos prisioneiros, ordenou-lhes Cesar que reconduzissem à sua presença aqueles dos Eburões fugitivos, que pela ventura os procurassem, assegurando-lhes que, se assim praticassem, não lhes havia de violar as fronteiras. Depois, divididas as tropas em três partes, fez transportar para Aduatuca as bagagens de todas as legiões. É esse o nome de um castelo situado quase no centro das fronteiras dos Eburões, onde Titurio e Aurunculeio haviam acampado para invernar. Escolhera este lugar, assim por outros requisitos, como para poupar trabalho ao soldado, pois existiam ainda intactos os entrincheiramentos do ano precedente. De guarda ás bagagens deixou a décima quarta legião, uma daquelas três, que de próximo alistadas tinha feito vir da Itália. A esta legião e seus arraiais prepôs a Q. Tulio Cicero, e deu-lhe duzentos de cavalo.

XXXIII - Dividido o exército, a T. Labieno com três legiões manda marchar para as partes contra o Oceano, as quais tocavam nos Menapios; a C. Trebonio com igual número de legiões despede a devastar a região adjacente aos Aduatucos; com as três restantes resolve dirigir-se em pessoa ao Escalda, que corre para o Mosa, e ao extremo das Ardenas, para onde ouvira dizer partido Ambiorix com poucos de cavalo. Ao retirar-se, declara que voltaria no sétimo dia, no qual sabia dever-se o pão à legião, que ficava de guarnição. Exorta a Labieno e Trebonio, que, se o puderem fazer sem prejuízo do serviço público, voltem naquele dia, afim de deliberar-se por novo acordo com conhecimento das disposições do inimigo, se conviria dar outra direção à guerra.

XXXIV - Não havia, como acima ficou demonstrado, tropa alguma estável, nem praça, nem presídio, que se defendesse com armas, mas uma multidão por todas as partes dispersa. Quando, ou um vale abscôndito, ou um lugar arborizado, ou um paúl embaraçoso, proporcionava a cada um alguma esperança de socorro ou salvação, aí se acoutavam. Estes lugares eram conhecidos das vizinhanças, e o caso requeria muito tento, não no proteger o todo do exército (pois nenhum perigo lhe podia vir de inimigos aterrados e dispersos), mas no conservar cada soldado; o que todavia pela parte dizia respeito à conservação do todo. Não só a cobiça da presa levava a muitos um pouco longe, como também os bosques lhes vedavam penetrarem reunidos por caminhos incertos e ocultos. Para dar um golpe decisivo, e acabar com essa raça de celerados, era mister enviar muitos corpos de tropas, e dividir os soldados: para conté-los junto às signas, como pedia a ordem e o costume do exército romano, o mesmo lugar servia de defesa aos bárbaros, nem lhes faltava audácia para dos esconderijos insidiarem, e cercaram os dispersos. Em dificuldades de tal natureza, providenciava-se quanto era possível fazê-lo, de maneira que antes se omitisse alguma coisa no empecer ao inimigo, posto os ânimos ardessem por vingança, que se empecesse com prejuízo dos soldados. Expede Cesar correios às cidades vizinhas; a todas convida com a esperança da presa a espoliar os Eburões, afim que antes se arriscasse nos bosques a vida dos Gauleses, que a do soldado legionário; ao mesmo tempo para que, com a acometida de grande multidão, se extinguisse a raça e o nome da cidade, que cometera tal atentado.

XXXV - Passavam-se estas coisas em toda a parte entre os Eburões, e aproximava-se o dia sétimo, no qual resolvera Cesar voltar para a legião, que guardava as bagagens. Viu-se, então, o que pode a fortuna na guerra, e que eventualidades acarreta. Dispersos e aterrados os inimigos, não havia, como dissemos, tropa alguma que inspirasse o menor receio sequer. Chega aos Germanos dalém Rim a fama de estarem sendo esbulhados os Eburões, e de serem todos convidados a tomar livremente parte na presa. Os Sibambos, vizinhos do Rim, que haviam, como mostramos, acolhido os Tencteres e Usipetes fugitivos, reunem dois mil cavaleiros. Passam o Rim em canoas e jangadas, trinta mil passos abaixo do lugar, onde fora feita a ponte, e deixado por Cesar o presídio; chegam às primeiras fronteiras dos Eburões; surpreendem muitos fugitivos; apoderam-se de grande porção de gado, de que são avidíssimos os bárbaros. Convidados pela presa vão mais longe. Nascidos no meio da guerra e dos latrocínios, não havia paúl, nem bosque, que os detivesse. Indagam dos cativos, onde se acha Cesar, sabem ter partido para longe, e haver-se retirado todo o exército. "Porque, diz um dos cativos, ides após essa miserável e mesquinha presa, quando podeis ficar riquíssimos? Em três horas chegareis a Aduatuca: para alí passou o exército romano todos os seus haveres: a guarnição é tão pequena, que não pode cingir o muro, nem alguém se anima a sair dos entrincheiramentos." Nesta esperança deixam os Germanos em lugar oculto a presa que tinham feito e partem para Aduatuca, servindo-se do mesmo guia, por cuja indicação souberam disto.

XXXVI - Cicero, que todos os precedentes dias havia cuidadosamente contido os soldados nos arraiais segundo os preceitos de Cesar, e nem sequer criado algum tinha tolerado sair dos entrincheiramentos, no sétimo dia, supondo que Cesar não guardaria a promessa relativamente ao número de dias, pois ouvia dizer que tinha avançado para mais longe, nem chegava notícia alguma de sua volta, movido ao mesmo tempo pelas vozes dos que chamavam a sua paciência um quase cerco, porque lhes não era permitido sair dos arraiais, não contando com acidente algum de tal natureza, onde opostas nove legiões e muitíssima cavalaria, dispersos e destruídos os inimigos, não podia ser ofendido numa circunferência de três mil passos, envia cinco coortes a cortar trigo nas próximas searas, entre as quais e os arraiais somente se metia de permeio uma colina. Haviam ficado muitos doentes das legiões, dos quais os que tinham convalescido neste espaço de dias, cerca de uns trezentos, são juntamente mandados sob o mesmo vexilio; vai além disso, dada a permissão, grande multidão de criados com grande quantidade de bestas, que existiam nos arraiais.

XXXVII - Nesta conjuntura sobrevêm os cavaleiros germanos, e logo na mesma arrancada em que vinham, tentam penetrar nos arraiais pela porta decumana, e não foram vistos, por causa de um bosque oposto por este lado, senão depois de se aproximarem dos arraiais a ponto de se não poderem acolher a eles os mercadores, que se abarracavam junto ao entrincheiramento. Os nossos, tomados de improviso, perturbam-se com a novidade do sucesso, e mal sustenta o primeiro assalto a coorte, que se achava de guarda. Espalham-se os inimigos em volta a todos os arraiais, para descobrir alguma entrada. Com dificuldade guardam os nossos as portas; o mesmo lugar, e a fortificação defende os mais pontos. Tudo é confusão nos arraiais; inquire este daquele a causa do tumulto; não se providencia para onde se hajam de levar as signas, nem qual seja o ponto em que cada um se tem de reunir. Um anuncia que os arraiais estavam tomados; outros que, destruido o exército e morto o general, chegavam os bárbaros vencedores; muitos forjam-se novos terrores supersticiosos pelo lugar, pondo diante dos olhos a calamidade de Cota e Titurio, que pereceram no mesmo castelo. Cortados todos de tal temor, confirma-se aos bárbaros a opinião, de que não havia dentro guarnição, segundo ouviram dizer ao cativo. Esforçam-se por penetrar a todo transe, e exortam-se entre si a não deixar escapar das mãos tamanha presa.

XXXVIII - Tinha ficado enfermo no presídio P. Sextio Baculo, que fora feito primipilar sob o comando de Cesar, e de quem fizemos menção nos precedentes combates. Havia já cinco dias que não tomava alimento. Este, desconfiando da sua e da comum salvação, sai da tenda desarmado; vê os inimigos eminentes e as coisas no último extremo; arma-se com as armas dos que encontra, e posta-se na porta. Seguem-no os centuriões da coorte, que estava de guarda, e sustentam juntamente o combate por um pouco. Perde Sextio os sentidos com as graves feridas recebidas, e, levado em braços, é com dificuldade salvo. Metido de permeio este espaço, animam-se os demais a permanecer algum tempo nas trincheiras, e a apresentar a aparência de defensores.

XXXIX - Feito, no entanto, o corte do trigo, ouvem nossos soldados o clamor; corre adiante a cavalaria; e conhece em que extremo se acham as coisas. Aqui, porém, não há entrincheiramento, que proteja os aterrados: alistados de pouco e sem experiência da milícia, voltam-se todos para o tribuno dos soldados e para os centuriões; esperam o que lhes seja por eles prescrito. Ninguém há tão forte que se não perturbe com a novidade do caso. Vendo ao longe as signas, desistem os bárbaros do assalto: julgam a princípio estarem de voltas as legiões, que sabiam dos cativos haverem avançado para mais longe: desprezando depois o pequeno número dos nossos, investem contra eles de todas as partes.

XL - Correm os criados para a próxima colina. Lançados imediamente daí, refugiam-se nas signas e esquadras das coortes, aterrando ainda mais os soldados tímidos. Pensam uns que, estando tão vizinhos dos arraiais, deve-se, formado o cuneo, romper prontamente para ali, pois, ainda que pereça alguma parte cercada, confiam poder salvar-se o resto; outros, que devem ocupar a colina, ter todos o mesmo destino. Tal não aprovam os soldados velhos, que, como dissemos, tinham partido sob o mesmo vexilo. Assim, exortando-se reciprocamente, sob o seu chefe, C. Trebonio, cavaleiro romano, que lhes fora preposto, rompem pelo meio dos inimigos, e chegam sãos e salvos aos arraiais todos sem faltar um só. Mas os que tinham ocupado a colina, carecedores ainda de toda e qualquer experiência da guerra, nem puderam permanecer na resolução tomada de defender-se de um lugar superior, nem imitar o arrojo e a celeridade, que viram aproveitar aos outros, mas tentando acolher-se aos arraiais, lançaram-se, num lugar desvantajoso. Os centuriões, alguns dos quais tinham sido pelo seu valor promovidos das graduações inferiores das demais regiões às superiores destas, para não perderem a glória militar adquirida antes, morreram pelejando muito esforçadamente. Parte dos soldados, repelidos os inimigos pelo valor daqueles, chegou contra a esperança, sã e salva aos arraiais; parte pereceu, cercada pelos bárbaros.

XLI - Perdida a esperança de expugnar os arraiais, (pois já viam os nossos postados nas trincheiras), retiram-se os Germanos para além Rim com a presa, que haviam depositado nos bosques. E tanto foi o terror ainda depois da retirada dos inimigos, que C. Voluseno, mandado com a cavalaria, chegando nessa noite aos arraiais, não poude fazer acreditar, que Cesar estava presente com o exército são e salvo. De tal sorte tinha o temor preocupado os ânimos, que diziam com mente quase alienada, que a cavalaria se retirara fugitiva, destruídas todas as mais tropas, porque os Germanos não haviam de assaltar os arraiais, se o exército estivesse intacto - A chegada de Cesar veiu acabar com este pânico.

XLII - Não ignorando as eventualidades da guerra, de uma única coisa queixou-se Cesar, ao voltar, o terem sido as coortes tiradas da estação e do presídio, demonstrando - que nem ainda ao menor acidente se devia deixar lugar - que muita parte tinha tido a fortuna na repentina chegada dos inimigos, e muita mais ainda, em fazê-los retirar quase das trincheiras e portas dos arraiais. De tudo isto o que lhe parecia mais para admirar, era que os Germanos, que haviam passado o Rim com desígnio de talar as fronteiras de Ambiorix, levados aos arraiais dos Romanos, tinham ao mesmo Ambiorix prestado o maior serviço.

XLIII - Partindo para perseguir novamente os inimigos, expede Cesar para toda parte grande número de homens reunidos das cidades vizinhas. Incendeiam-se todas as aldeias e edifícios, que se deparam; saqueiam-se todos os lugares; o trigo não só era consumido por tamanha multidão de bestas e homens, mas havia também sido estragado nos campos pelas chuvas e pelo mau tempo; de modo que, se alguns ainda se ocultavam no presente, teriam pravavelmente de perecer pela carência de tudo, depois de efetuada a retirada do exército. E, espalhada por toda parte tanta cavalaria chegou-se muitas vezes a tal lugar, que os cativos procuravam em volta com os olhos a Ambiorix pouco antes deles visto, e sustentavam não estar ainda inteiramente fora do alcance da vista, de sorte que na esperança de alcançá-lo, e com infinito trabalho, quase que venciam na diligência a natureza humana os que esperavam obter a graça especial de Cesar, e sempre pouco parecia ter faltado à suma felicidade de o conseguir, e ele salvava-se nos esconderijos e bosques, e, oculto, demandava de noite outras regiões e paragens com uma escolta apenas de quatro cavaleiros, únicos a quem ousava confiar a sua vida.

XLIV - Assolado por tal forma o país, reconduz Cesar o exército com perda de duas coortes a Durocortorum dos Remos, e convocando para ali o concelho da Galia, devassa da conjuração dos Senones e Carnutes, pronunciada sentença de morte contra Accão, que fora autor desta conjuração, o mandou justiçar ao modo dos antigos Romanos. Alguns fugiram, receiando o julgamento. E tendo a estes posto o interdito da água e do fogo, colocou, para invernar, duas legiões nas fronteiras dos Treviros, duas entre os Lingones, as seis restantes nas dos Senones em Agedico, e, providenciado o provimento de víveres para o exército, partiu para a Itália, como assentara, a reunir as juntas provinciais da Galia Cisalpina.

28 de junho de 2018

Guerra da Gália - Livro II

COMENTÁRIOS DE CAIO JÚLIO CÉSAR À GUERRA DA GÁLIA

Livro I - Livro II - Livro III - Livro IV - Livro V - Livro VI - Livro VII - Livro VIII

ARGUMENTAÇÃO
Conjuram-se todos os Belgas contra o povo romano afora os Remos, cuja cidade, Bibracte, liberta Cesar do cerco, enviando-lhe socorro c. 1-10. Indo-lhes ao encalço, vence os Belgas na retirada c. 11. Aceita a rendição dos Suessiões, Belovacos e Ambianos; debela os Nervios que resistiam com vigor conjuntamente com os Atrebates e Veromanduos c. 12-28. Da mesma forma os Aduatucos c. 29-33. Vence Publio Cassio os Armoricos c. 34. Ações memoráveis depois da pacificação dos Belgas, c. 35.


I - Achando-se Cesar na Galia citerior a invernar, como acima mostramos, chegam-lhe freqüentemente rumores e logo participação de Labieno de se haverem os Belgas, a terça parte da Galia, segundo fica dito, conjurado contra o povo romano, e dado reféns entre si, sendo as causas da conjuração: primeiro, receiarem que, pacificada a Galia Céltica, fosse nosso exército conduzido a eles; depois, serem solicitados por alguns gauleses, deles porque assim como não queriam que os germanos se estabelecessem na Galia, assim levavam a mal que nosso exército nela invernasse e permanecesse; deles, porque inconstantes e levianos desejavam nova ordem de coisas; deles, ainda, porque na Galia são os reinos vulgarmente ocupados pelos mais poderosos e abundantes em cabedais para ter gente a soldo, o que menos facilmente podiam conseguir no domínio dos romanos.

II - Abalado com estas notícias e comunicações, alista Cesar duas novas legiões na Galia citerior, e no princípio do estio manda o seu lugar-tenente Quincio Pedio marchar com elas para o interior da Galia. Começando a haver abundância de forragem nos campos, dirige-se em pessoa ao exército, e encarrega os Senões e mais gauleses que vizinhavam com os Belgas, de observarem o que passava entre eles, e fazerem-no sabedor de tudo. Informam-no todos a uma voz que se juntavam forças, concentrando-se exército num ponto. Não hesita, então, em marchar contra os Belgas. Feito provimento de víveres, levanta campo, e chega a eles em coisa de quinze dias.

III - Chegando ali de improviso e mais depressa que toda suposição, os Remos que dentre os Belgas são os mais vizinhos da Gália, deputam-lhe a Iccio e Andocumborio, os mais notáveis da cidade, com esta embaixada: "Que se punham a si e seus haveres sob a proteção e soberania do povo romano; pois, não tendo entrado na conjuração dos mais Belgas, estavam prontos a dar-lhe reféns e executar quanto ordenasse, bem como a recebê-lo em suas praças fortes e socorrê-lo com trigo e o mais de que houvesse mister; - que os outros Belgas conjuntamente com os germanos que habitavam aquém do Rim, se achavam todos em armas; - e tanta era a animosidade de todos esses, que nem ainda aos Suessiões, irmãos e consanguíneos seus, que tinham as mesmas instituições e leis, o mesmo governo e magistrado, que eles, puderam dissuadir de tomar parte na conjuração.

IV - Inquerindo deles, quais e quantas cidades se achavam em armas, e de que forças dispunham, colhia em resultado procederem os Belgas pela mor parte dos germanos, que passando antigamente o Rim, e estabelecendo-se na Galia convidados pela fertilidade do solo, expulsaram os gauleses, que habitavam estes lugares; e serem os únicos que, em tempo de nossos pais, repeliram de suas fronteiras os teutões e cimbros, que assolaram toda Galia, originando-se daí arrogarem-se grande crédito e nomeada na milícia. Do número deles diziam os Remos saber ao certo, porque, ligados por parentesco e afinidade, tinham conhecimento de quantas tropas prometera cada povo para esta guerra na reunião comum dos Belgas: - Que dentre todos eram os Belovacos os mais bravos, acreditados e numerosos, podendo apresentar cem mil guerreiros; e destes haviam prometido sessenta mil homens escolhidos, exigindo para si a administração geral da guerra: - Que os Suessiões, vizinhos seus, possuidores de vasto e fertilíssimo território, os quais tinham sido governados, ainda em nossos dias, pelo rei Diviciaco, o maior potentado da Galia, senhor de grande parte destas regiões bem como da Britania, e o eram agora pelo rei Galba, a quem por sua justiça e capacidade fora de comum acordo conferido o comando das forças reunidas, contavam doze praças fortes, e prometiam cinquenta mil homens: - Que os Nervios, os mais ferozes e distantes dentre os Belgas, outro tanto; os Atrebates, quinze mil; os Ambianos, dez mil; os Morinos, vinte e cinco mil; os Menapios, sete mil; os Caletos, dez mil; os Velocasses e Veromanduos, outro tanto; os Aduatucos, dezenove mil; os Codrusos, Eburões, Ceresos e Pemnanos, chamados geralmente germanos, quarenta mil.

V - Depois de haver exortado os Remos, dirigindo-lhes um discurso amigável, ordena Cesar venha à sua presença todo o senado, e lhe sejam dados em reféns os filhos dos principais da cidade; o que tudo é fielmente cumprido em dia marcado. Mostrando com muito empenho ao Heduo Diviciaco quanto importava à causa e salvação comum fazer diversão nas forças inimigas, para não se ter de combater com tanta multidão a um tempo; e que podia isso conseguir-se, se os Heduos com as suas invadissem o território dos Belgas, talando-lhes a campanha, o despede de junto a sua pessoa com tais instruções. Vendo que marchavam contra ele todas as tropas reunidas dos Belgas, e tendo aviso tanto dos exploradores que expedira, como dos Remos, de que já não estavam longe, deu-se pressa em passar o exército além do rio Axona, e aí acampou. Tinha esta posição a vantagem de fortificar um dos lados do campo com a margem do rio, tornar seguro dos inimigos tudo quanto ficava por trás dele, e fazer com que dos Remos e mais cidades pudessem a ele transportar-se provisões sem risco. Havia no rio uma ponte; põe-lhe guarnição; e na margem oposta do mesmo deixa com seis coortes o seu lugar-tenente, Quincio Titurio Sabino; e os seus arraiais, manda fortificá-los com trincheira de doze pés de altura, e fosso de dezoito de profundidade.

VI - Distava destes arraiais oito mil passos a cidade dos Remos de nome Bibracte. Começam de assaltá-la os Belgas em sua marcha com grande fúria. Com dificuldade se sustenta ela nesse dia. Têm os belgas o mesmo sistema de atacar praças que os Gauleses; cercam-lhes as muralhas em toda extensão de multidão de homens, que entram de todos os lados a atirar pedras contra o muro até o despojar de defensores, deformando-se em testudem, arrombam as portas e derrocam o muro. Era isso, então, fácil pôr por obra, pois ninguém podia permanecer no muro, fazendo tiros com pedras e dardos uma tamanha multidão. Pondo a noite termo ao assalto, Iccio, que comandava a praça, o Remo de maior distinção e popularidade, entre os seus, um dos embaixadores que vieram a Cesar propor pazes, manda-lhe aviso: - Que se lhe não enviasse socorro, não se poderia defender mais tempo.

VII - Servindo de guias os mesmos correios de Iccio, a meia noite manda-lhe Cesar um socorro de frecheiros Numidas e Cretenses e fundibularios Baleares. Com a vinda destes não só cresceu nos Remos o ardor de resistir pela confiança na defesa, como pelo mesmo motivo abandonou os inimigos a esperança de apoderar-se da praça. Assim, demorando-se pouco tempo à vista dela, depois de talar a campanha aos Remos, e incendiar-lhes os lugares e edifícios vizinhos, marcham com todas as forças aos arraiais de Cesar, e a menos de dois mil passos colocam os seus, os quais, a julgar pelas fogueiras e fumarada, abrangiam o espaço de mais de oito mil.

VIII - A princípio resolveu Cesar sobre estar na batalha, já pela multidão, já pela apregoada bravura dos inimigos. Ia, porém, diariamente experimentando nos recontros da cavalaria o valor dos mesmos, como a ousadia dos nossos. Como viu não lhes serem os nossos inferiores, num lugar fronteiro aos arraiais oportuno por sua natureza para formar o exército em batalha, sendo que o monte onde acampava, levantado aos poucos da planície, tanto se estendia por davante, quanto podia ocupar um exército ordenado em batalha, oferecendo escarpaduras de ambos os lados, e de leve acuminado na frente terminava docemente em planície, feito antes de um e outro lado do monte um fosso transversal de quatrocentos passos com castelos nas extremidades, guarnecidos de tormentos, para que na refrega os inimigos cuja multidão era tamanha, não involvessem os nossos pelos flancos, deixando nos arraiais as duas legiões de próximo alistadas, para em caso de necessidade ter socorro à mão, ordena em batalha as seis restantes. Tirando suas tropas dos quartéis as formam também os inimigos em batalha.

IX - Havia entre o nosso e o exército inimigo uma lagoa não grande. Aguardavam os inimigos por que os nossos a passassem; estavam porém os nossos sob as armas para atacá-los, quando embaraçados começassem a fazê-lo. Travavam-se neste meio tempo combates de cavalaria entre os dois exércitos. Como nem uns nem outros tentassem a passagem, levando os nossos o melhor num recontro de cavalaria, reconduziu Cesar os seus a quartéis. Marcham logo dali os inimigos ao rio Axona, o qual demorava por trás de nossos arraiais, como fica demonstrado. Encontrando aí vaus, por eles tentam passar parte das tropas no intuito de tomar o castelo comandado pelo lugar-tenente Quincio Titurio e cortar-nos a ponte; e não o conseguindo, de talar a campanha dos Remos, a qual nos era de grande utilidade para a sustentação da guerra, e tolher-nos o abastecimento de viveres.

X - Ao sabê-lo por Titurio, transpondo a ponte com toda a cavalaria, Numidas leve-armados, fundibulários e frecheiros, marcha Cesar ao encontro do inimigo. Combate-se aí encarniçadamente. Acometendo aos Belgas embaraçados no rio, fazem os nossos neles mortandade grande; aos que audaciosamente tentavam passar por cima dos corpos dos seus, repelem-nos com um chuveiro de dardos; aos que primeiro haviam passado, acabam-nos, cercando-os com a cavalaria. Perdendo a esperança de conquistar Bibracte e passar o Axona, vendo que não abandonavam os nossos suas vantajosas posições para pelejar, e começando a experimentar falta de viveres, reúnem-se os inimigos em concelho, e deliberam voltar cada qual ao seu país, para acudir de todos os pontos em defesa comum dos que fossem primeiramente atacados pelo exército romano, porque, podendo tirar a subsistência de seus abundantes recursos, melhor era combater na própria casa, que na alheia. A este parecer, além de outros motivos, levou-os também o saberem que Diviciaco e os Heduos se aproximavam das fronteiras dos Velovacos. Impossivel fora persuadir-lhes demorarem-se mais tempo, e não correrem em socorro dos seus.

XI - Depois de tomada esta deliberação, saindo dos arraiais na segunda vela da noite com grande estrépito e tumulto, sem ordem nem comando certo, e desejando cada qual ser da dianteira e chegar mais depressa à casa, fizeram com que a partida se assemelhasse à fuga. Sabendo-o logo pelos espias, e receiando ciladas, por ignorar a causa da retirada, conteve Cesar nos arraiais tanto o exército como a cavalaria auxiliar. Ao romper dalva, sendo-lhe tudo confirmado pelos exploradores, para demorar-lhes a marcha da retaguarda, manda diante a cavalaria às ordens de seus tenentes Quincio Pedio e Lucio Aurunculeio Cotta; e fá-la seguir depois por três legiões ao mando de Tito Labieno. Acometendo estes a retaguarda inimiga, e acompanhando-a muitos mil passos, fazem grande mortandade nos que fugiam: pois, resistindo os derradeiros e sustentando bravamente o ímpeto dos nossos, os dianteiros que se julgavam livres de perigo, e não eram retidos por necessidade nem comando algum, ouvindo o clamor dos combatentes, rompiam as fileiras, e punham a salvação na fuga. Assim, sem o menor risco, matam os nossos tanta multidão de inimigos, quanta permitiu o espaço do dia, e terminando a carnificina com o pôr do sol, recolhem-se aos arraiais, como lhes fora ordenado.

XII - Um dia depois, antes que os inimigos se recobrassem do terror e fuga, abala Cesar com o exército para as fronteiras dos Suessiões que vizinham com os Remos, e, avançando a marchas forçadas, chega a Novioduno. Tentando tomá-la de assalto na passagem, por lhe constar achar-se balda de defensores, em razão da largura do fosso e altura do muro, o não pôde conseguir, se bem a defendessem poucos. Assentando arraiais, faz construir mantas de guerra, e aparelhar todo o necessário para sitiá-la. Neste comenos entra de noite na praça multidão de Suessiões escapos da derrota. Concluídas de pronto as mantas, e feito o terrado{29} com as competentes torres, assombrados com o gigantesco de tais obras, por eles nunca vistas, nem conhecidas de nome sequer, mandam embaixadores a Cesar propor-lhe o renderem-se, e obtêm a sua conservação, intercedendo os Remos.

XIII - Recebendo em reféns os principais da cidade{30} juntamente com dois filhos do mesmo rei Galba, e de posse de todas as armas da praça, aceita Cesar a submissão dos Suessiões, e marcha contra os Belovacos que se haviam passado com seus haveres para Bratuspancio. Achando-se com o exército cerca de cinco mil passos desta cidade, saem dela todos os anciões, e estendendo as mãos para ele, significam-lhe com palavras que vinham pôr-se debaixo de sua proteção e domínio, nem faziam guerra aos romanos. Da mesma forma, ao chegar à praça e assentar dos arraiais, extendendo as mãos do muro, entram meninos e mulheres a suplicar-lhe paz a seu modo.

XIV - Por eles intercede Diviciaco, que licenciando as tropas dos Heduos, depois da retirada dos Belgas, voltava para junto de Cesar, e fala nesta substância: "Que em todo tempo haviam os Belovacos sido amigos e aliados da cidade dos Heduos, mas impelidos por seus cabecilhas que espalhavam suportarem os Heduos, escravizados por Cesar, todo gênero de afrontas e indignidades, fizeram guerra ao povo romano desquitando-se de seus aliados - E agora, cônscios de haverem sobre sua cidade atraído grande calamidade, tinham os impulsores da guerra fugido para Britania - Que imploravam a notória clemência de Cesar não só os Belovacos, como os Heduos por eles: pois, usando de clemência com seus protegidos, havia Cesar de aumentar o crédito dos Heduos entre todos os Belgas, de cujas tropas e recursos costumavam ajudar-se na guerra."

XV - Em honra de Diviciaco e por amor dos Heduos, promete Cesar tomá-los sob sua proteção e conservá-los; mas como era cidade de grande autoridade entre os Belgas e sobresaía em multidão de homens, exige-lhes seiscentos reféns. De posse destes e de todo armamento da praça, marcha daí para as fronteiras dos Ambianos, que se submetem sem demora. Eram com estes comarcãos os Nervios, de cuja índole e costumes informando-se, colhe em resultado: "Não terem com eles entrada alguma mercadores, pois não consentiam lhes levassem vinho nem outros objetos de luxo, com que julgavam entorpecerem-se os ânimos e enervar-se o vigor; - serem mui rudes e bravos; - censurarem e acusarem os mais Belgas por se haverem submetido aos Romanos, renegando o pátrio valor; - e blasonarem de que não haviam mandar embaixadores a Cesar, nem aceitar composição alguma."

XVI - Indo pelas fronteiras destes com três dias de marcha, é informado pelos cativos de estar o rio Sabis não mais de dez mil passos distante de seus arraiais; acharem-se todos os Nervios acampados além deste rio, e aguardarem, aí, a vinda dos Romanos, fazendo causa comum com eles os Atrebates e Veromanduos, vizinhos seus, os quais haviam atraído a seu partido; esperarem ainda pelas tropas dos Aduatucos que já vinham em marcha; e haverem depositado as mulheres, e os que eram pela idade inúteis para combater, num lugar onde, por causa dos lagos, não podia penetrar o exército.

XVII - À vista disso, manda Cesar adiante exploradores e centuriões escolher lugar próprio para arraiais. Dentre os Belgas submetidos e restantes Gauleses acompanhavam-no muitos nesta expedição, dos quais uns certos, como depois se soube dos cativos, observando a marcha ordinária de nosso exército nesses dias, fogem de noite para os Nervios, e persuadem-nos de que, medeiando grande quantidade de bagagens entre legião e legião, era coisa de nonada atacar a primeira legião quando entrasse no lugar dos arraiais, ainda sob cargas, achando-se distantes as outras que, derrotada ela, e saqueadas as bagagens, não ousariam resistir-lhes. Favorecia ainda o alvitre o emaranhado das selvas, porque não possuindo cavalaria a cuja sustentação nunca se dedicaram, e fortes só por sua infantaria, para impedir as incursões da cavalaria dos vizinhos, golpeavam os Nervios as árvores ainda tenras que curvavam para o chão, e entremeiando com plantas de espinhos os espaços entre os ramos que àquelas nasciam dos lados, formavam sebes que apresentavam na fortaleza a aparência de muros, por onde não só se não podia entrar, mas nem ainda enxergar. Contando com este obstáculo à marcha de nosso exército, entenderam dever abraçar o conselho.

XVIII - Era o lugar, pelos nossos escolhidos para arraiais, um monte que desde o cimo vinha igualmente descendo até o rio Sabis, de que atrás falamos: cerca de duzentos passos do rio, nascia outro monte que ia parelhamente subindo, fronteiro e contrário a esse, por baixo descoberto, e no alto coberto de bosques a não poder a vista penetrar-lhe dentro. Tinham-se os inimigos ocultos nestes bosques; no descoberto avistavam-se ao longo do rio poucas guardas de cavalaria. Era a profundidade do rio de perto de três pés.

XIX - Seguia Cesar com todas as tropas, precedido por sua cavalaria; mas a ordem e o teor da marcha eram diversos dos que foram pelos Belgas denunciados aos Nervios, Ao aproximar-se do inimigo, conduzia na forma do costume seis legiões expeditas, com as bagagens no couce, guardadas pelas duas legiões, de próximo alistadas, as quais fechavam a marcha. Atravessando o rio, empenham-se nossos cavaleiros, fundibularios e frecheiros, em luta com a cavalaria dos inimigos. Acolhendo-se essa aos seus nos bosques, e voltando novamente de lá para atacar os nossos e não ousando estes persegui-la além do espaço descoberto, demarcavam neste meio tempo o lugar dos arraiais, e começavam de fortificá-lo as seis legiões primeiramente chegadas. Mal dão fé de nossas primeiras bagagens aqueles que se ocultavam nos bosques, (era esse o sinal entre eles convencionado para o ataque), na mesma ordem de batalha em que se achavam postados, voam com todas as tropas, e arremetem contra nossa cavalaria. Repelida e desordenada esta na primeira investida, correm com incrível rapidez ao rio, a ponto de se verem a um tempo inimigos nos bosques, inimigos no rio, inimigos a braços com os nossos; e subindo pelo monte acima com a mesma rapidez, acometem os arraiais, precipitando-se sobre os que estavam ocupados em fortificá-los.

XX - Tudo isto tinha Cesar a fazer a um tempo: mandar hastear o estandarte anunciador da batalha, tocar alarme, chamar os soldados ocupados nas fortificações, recolher os que tinham ido mais longe por materiais, ordenar o exército em batalha, exortá-lo e dar a senha. A mor parte destas coisas impediam-nas a brevidade do tempo e a crescente aluvião e incursão dos inimigos. A tais dificuldades eram único remédio a ciência e prática dos soldados que adestrados nas precedentes batalhas, podiam prescrever-se não menos acertadamente o que convinha fazer, que recebê-lo de outros; porquanto proibira Cesar a todo lugar-tenente seu retirar-se da obra e de sua legião, antes de concluída a fortificação dos arraiais. Assim, à vista da celeridade e vizinhança dos inimigos já sem dependência de ordem executavam eles por si que importava.

XXI - Ordenando o necessário, corre pois a exortar os soldados, por onde lhos depara o acaso; e chegando à décima legião, só lhe dirige estas palavras - Que retenha a lembrança do antigo valor, conserve-se firme, e sustente galhardamente o ímpeto dos inimigos. E como estes já estavam a alcance de tiro, dá o sinal do combate. Correndo depois à outra parte para o mesmo fim, acha já o soldado empenhado na luta. Tamanha foi a estreiteza do tempo, e tal o ardor do inimigo no atacar, que não houve espaço para acomodar insígnias, nem pôr capacetes, nem tirar capas a escudos. A qualquer parte que ia ter o soldado, ao deixar o trabalho da fortificação, alinhava-se junto aos primeiros pendões que encontrava, para não perder tempo em procurar os seus.

XXII - Formado o exército em ordem de batalha mais segundo a natureza do lugar, o declive do monte, e a necessidade presente o requeriam, que segundo a ciência e tática militar, sendo que em diversas legiões cada uma resistia ao inimigo em parte diversa, e que, como fica dito, metiam-se de permeio sebes densíssimas, interceptando a vista entre aquelas, não era possível colocar reservas a propósito, nem dar providências onde e como era mister, nem a todas transmitir ordens de um só. Assim, em posição tão excepcional, eram também vários os sucessos da batalha.

XXIII - Colocados como se acharam na ala esquerda, os soldados da nona e décima legiões, arremessando os pilos do alto, precipitavam no rio os Atrebates cansados da carreira e desangrados pelas feridas, pois lhes haviam esses cabido em sorte; e perseguindo-os com as espadas nos rins, matavam grande número deles, embaraçados ao tentarem-lhe a passagem. Não duvidando, depois, atravessar o rio, e avançar em lugar desigual, convertiam eles novamente à fuga aos inimigos, que voltando rosto, renovavam o combate. Da mesma forma, em outra parte, outras duas diversas legiões, a undécima e oitava, rechaçando os Veromanduos que lhes faziam frente, descendo do alto, pelejavam nas mesmas margens do rio. E, então, desguarnecidos quase inteiramente os arraiais pela frente e parte esquerda, ocupando a ala direita a legião duodécima e não longe dela a sétima, os Nervios, comandados por seu supremo caudilho Boduognato, feitos num corpo arremetem todos contra este único ponto, deles no empenho de envolver as legiões pelo lado aberto, deles no de ganhar o lugar cimeiro do campo.

XXIV - Ao mesmo tempo nossos cavaleiros e peões armados a ligeira, que sendo conjuntamente rechaçados no primeiro assalto, como fica dito, acolhiam-se ao abrigo dos arraiais, encontrando inimigos pela frente, fugiam de novo para outra parte; e os criados do exército, que avistando da porta decumana e do cimo do monte os nossos passarem o rio vencedores, tinham saído a prear, vendo depois andarem inimigos nos arraiais, desatavam também a fugir. Ouvia-se igualmente o clamor e frêmito dos que acompanhavam as bagagens, e tomavam aterrados para outro lado. Abalado com isto, a cavalaria dos Treviros, que tem entre os Gauleses opinião de mui esforçada, e vinha em auxílio de Cesar, enviada por sua cidade, vendo encherem-se os arraiais de multidão de inimigos, estarem em aperto e quase cercadas as legiões, fugirem derramadamente em todas as direções creados, cavaleiros, fundibularios e Numídas, voltava para os seus, dando nossas coisas por perdidas e levando consigo a notícia de havermos sido derrotados, e acharem-se os inimigos de posse de nossos arraiais e bagagens.

XXV - Depois de haver exortado a décima legião, passa Cesar à ala direita, onde vê os seus assoberbados pelo inimigo, e cerrados com os estandartes num lugar, embaraçarem-se no combate uns aos outros os soldados da duodécima legião, mortos todos os centuriões da quarta coorte juntamente com o alferes, tomado o estandarte, mortos ou feridos quase todos os centuriões das demais coortes, e entre esses trespassado de muitas e graves feridas o valorosíssimo primipilar Publio Sextio Baculo, a ponto de não poder suster-se, mostrarem-se os restantes remissos, e retirarem-se da peleja, evitando os tiros, alguns dos da retaguarda abandonados a si; não cessarem de vir inimigos subindo pela frente, nem de apertar por um e outro lado; e acharem-se as coisas no último apuro, sem haver socorro de que se pudesse lançar mão; tomando então o escudo de um soldado da retaguarda, pois não trouxera o seu, avança para a primeira linha, e manda os soldados carregarem sobre o inimigo, abrindo as fileiras, para melhor se poderem servir das espadas. Recobrados com sua vinda esperança e ânimo, porque ainda em tal extremidade desejava cada um mostrar-se corajoso diante do general, retarda-se por um pouco o ímpeto dos inimigos.

XXVI - Vendo achar-se da mesma forma assoberbada a sétima legião, que estava postada perto, recomenda Cesar aos tribunos dos soldados façam juntarem-se pouco e pouco as legiões, e atacarem o inimigo reunidas. Depois de executada a manobra, podendo auxiliar-se uns aos outros, e não temendo ser cercados pelo inimigo, entram a resistir mais ousadamente, e a pelejar com maior ardor. Neste comenos eram os soldados das duas legiões, que na retaguarda guardavam as bagagens, vistos pelo inimigo do cimo do monte dobrar o passo à notícia da batalha; e Tito Labieno, depois de senhor dos arraiais inimigos, observando das alturas o que se passava nos nossos, mandava-nos em socorro a décima legião, que conhecendo pela fuga dos cavaleiros e criados em que extremidade estavam as coisas, e quanto risco corriam as legiões, os arraiais e o general, punha toda diligência na celeridade da marcha.

XXVII - Tamanha foi a mudança operada com a vinda desses, que os mesmos nossos que haviam caído crivados de feridas, renovavam o combate, apoiando-se nos escudos; os criados, ao ver o terror nos inimigos, até inermes os atacavam armados; e os cavaleiros, para a troco de esforço resgatar a vergonha da fuga, por toda parte combatiam na frente dos legionários. Mas, ainda na última esperança de salvação, tanto valor mostravam os inimigos, que, caídos os primeiros, vinham-lhes por sobre outros, que pelejavam de cima dos corpos desses, acumulando cadáveres sobre cadáveres, para como de um comoro atirar dardos contra os nossos, e reenviar-lhes os pilos interceptados: de modo que não é de admirar se homens de tal coragem ousaram, no acometer, passar tão largo rio, galgar tão altas ribanceiras, e subir a lugar tão empinado, sendo que tamanha intrepidez facil tornava o dificílimo.

XXVIII - Dada esta batalha e destruído quase inteiramente o povo e nome dos Nervios, os anciãos que conjuntamente com meninos e mulheres se achavam, como dissemos, acantoados nos esteiros e lagoas, ao receber a notícia dela, como nada julgassem defeso a vencedores, nem seguro para vencidos, por acordo comum dos que restavam, mandam embaixadores a Cesar, e lhe fazem sua submissão. No mencionar a calamidade da cidade diziam ver-se reduzidos de seiscentos a três senadores e de sessenta mil apenas a seicentos homens capazes de pegar em armas. Mostrando-se misericordioso com miseráveis e suplicantes, os conserva Cesar com todo cuidado, permitindo-lhes usarem de suas terras e cidades, e ordenando aos vizinhos proibissem aos seus ofendê-los e prejudicá-los.

XXIX - Os Aduatucos, que acima dissemos virem com suas tropas em marcha a socorrer os Nervios, voltaram do meio do caminho, ao saber desta batalha; e abandonando todas suas cidades e castelos, se passaram com tudo o que era seu, para uma praça admiravelmente fortificada pela natureza; pois tinha por todos os lados em roda altíssimas rochas talhadas a pique, oferecendo unicamente por um deles uma subida doce de cerca de duzentos passos, a qual haviam cingido de duplicado altíssimo muro, colocando neste, moles de grande peso e traves aguçadas. Descendiam esses dos Cimbros e Teutões que, ao passar à nossa província e à Itália, tinham aquém do Rim deixado uns seis mil homens de guarda às bagagens, que não podiam levar consigo. Estes, depois de mortos aqueles, perseguidos muitos anos pelos vizinhos, ora atacando numa parte, ora defendendo-se em outra, feita por último a paz com todos, escolheram este lugar para seu domicílio.

XXX - À primeira chegada de nosso exército faziam eles freqüentes sortidas, contendendo com os nossos em pequenas refregas; fechados depois por uma circunvalação de doze pés, vinte cinco mil em circunferência, com muitos castelos fortificados, continham-se dentro da praça. Quando, concluídas as mantas de guerra, e construído o terrado, viram levantar-se ao longe uma torre, a princípio perguntavam do muro, zombando de nós, para que se fazia tamanha máquina a tamanha distância? com que mãos ou forças confiavam homens de tão pequena estatura, (somos geralmente desprezados dos Gauleses por nossa estatura pequena comparativamente à sua), assentar contra o muro uma torre de tão enorme peso?

XXXI - Quando porém a viram mover-se e apropinquar-se aos muros, abalados com tão novo e extraordinário espetáculo, enviam a Cesar embaixadores a propor pazes nestes termos: "Que julgavam ser não sem auxílio divino o fazerem os romanos guerra, podendo mover com tanta presteza máquinas de tamanha altura, para combater de perto; - que ao domínio dos mesmos se submetiam a si e quanto lhes pertencia, implorando, se Cesar por sua notória clemência resolvesse conservar os Aduatucos, uma única coisa, que era o não serem despojados das armas, porque tinham por inimigos a quase todos os vizinhos, que lhes invejavam o valor, e dos quais se não podiam defender sem armas; - e se a tal extremidade haviam de ser reduzidos, melhor lhes era acabarem logo às mãos dos Romanos, que serem mortos a tormento por aqueles, entre os quais costumavam dominar.

XXXII - A isto respondeu Cesar: "Que mais por costume seu, que pelo merecerem eles, havia conservar-lhes a cidade, se se rendessem antes do ariete tocar no muro, não podendo, porém, ser aceita a submissão sem prévia entrega das armas; - que faria por eles o mesmo que fez pelos Nervios, pois havia determinar aos vizinhos não contendessem com os submetidos ao povo romano." Levada aos seus esta resposta, replicaram que executariam quanto lhes fosse ordenado. Arrojando, então, do muro no fosso fronteiro à praça tamanha quantidade de armas, que os montões delas quase igualavam a mor altura do muro e do terrado, mas retendo oculta cerca de terça parte, como depois se verificou, patenteadas as portas, estiveram de paz todo o dia.

XXXIII - Pela volta da tarde manda Cesar fechar as portas, fazendo sair da cidade os soldados, para que com a noite não praticassem algum desacato contra os habitantes. Estes, porém, concertado de antemão, como se evidenciou, o plano de traição, por julgarem que, depois de sua submissão, os nossos ou não haviam de fazer a guarda do campo, ou pelo menos haviam fazê-la mal, deles com as armas que retiverem ocultas, deles com escudos de cascas de árvores e vimes tecidos, que tinham à pressa coberto de couro conforme a brevidade do tempo, na terceira vela da noite, por onde a subida para nossas fortificações parecia menos árdua, arremetem subitamente da praça com todas as suas forças. Dado à pressa o alarma por meio de fogos, segundo anteriores ordens de Cesar, para ali se corre dos próximos castelos; e com tanta bravura pelejam os inimigos, quanta era de esperar de homens resolutos que combatiam em caso extremo e lugar desigual, contra os que lhes faziam tiros das trincheiras e torres, e quando toda esperança de salvação estava posta só no valor. Mortos até quatro mil deles, são os restantes repelidos para dentro da praça. No seguinte dia, depois de arrombadas as portas, não resistindo já ninguém, e introduzidos os nossos, manda Cesar vender em almoeda tudo quanto existia dentro da praça. O número total dos vendidos, segundo as relações apresentadas pelos compradores, foi de cinqüenta e três mil cabeças.

XXXIV - Entrementes, por Publio Crasso, que com uma legião tinha mandado para as partes dos Venetos, Unelos, Osismos, Curiosolitas, Esuvios, Aulercos e Redones, povos vizinhos do Oceano, é feito sabedor de que todas essas marítimas cidades se haviam submetido ao poder e domínio dos Romanos.

XXXV - Pacificada assim toda Galia, tal foi a nomeada desta guerra que grassou pelos bárbaros, que até nações que habitavam além do Rim, enviaram embaixadores a Cesar, obrigando-se a dar-lhe reféns e cumprir quanto ordenasse. Como, porém, tinha pressa de ir à Itália e ao Ilirico, adiou ele para o princípio do próximo estio a resposta a tais embaixadas; e levando as legiões a quartéis de inverno entre os Carnutes, Andes e Turones, cidades vizinhas do teatro da guerra, pôs-se a caminho para Itália. Foram por esta campanha decretados, em vista de suas comunicações, quinze dias de suplicações, o que antes dele ainda a nenhum general havia acontecido.