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Livro: Série Cultura Bíblica

O livro os comentários da Série Cultura Bíblica, foram elaborados para ajudar o leitor a alcançar uma compreensão do real significado do texto bíblico. A introdução de cada livro dá às questões de autoria e data um tratamento conciso, embora completo. Isso é de grande ajuda para o leitor, pois mostra não só o propósito de cada livro como as circunstâncias em que foi escrito. 

É também de inestimável valor para professores e estudantes que buscam informações sobre pontos-chaves, pois aí se veem combinados o mais alto conhecimento e o mais profundo respeito com relação ao texto sagrado. Vale apenas ler este livro pela sua riqueza que oferece no tratamento dos textos bíblicos em cada comentário da Série Cultura Bíblica.

Os comentários tomam cada livro e estabelecem as respectivas seções, além de destacar os temas principais. O texto é comentado versículo por versículo. todos são focalizados nos problemas de interpretação. Em notas adicionais, as dificuldades específicas de cada texto são discutidas em profundidade. O objetivo principal dos comentários é buscar o verdadeiro significado do texto da Bíblia, tornando sua mensagem plenamente compreensível.

https://drive.google.com/file/d/1utAGkWGQkN-tHWL4qeyuzI9cwNmtXmb4/view

Comentário Bíblico Broadman

Os Vols, 1- 3 A.T; e os Vols, 8 – 12 N.T,  do livro comentário Bíblico Broadman, são vários autores diferentes. 
O Comentário Bíblico Broadman apresenta um estudo bíblico atualizado, dentro do contexto de uma fé robusta na autoridade, adequação e confiabilidade da Bíblia como a Palavra de Deus. Ele procura oferecer ajuda e orientação para o crente que está disposto a empreender o estudo da Bíblia como um alvo sério e compensador. Desta forma, os seus editores definiram o escopo e propósito do comentário, para produzir uma obra adequada às necessidades do estudo bíblico tanto de ministros como de leigos. As descobertas da erudição bíblica são apresentadas de forma que os leitores sem instrução teológica formal possam usá-las em seu estudo da Bíblia. 
Os créditos desta postagem, pertence: a Emanuence digital e Adriano Lopes e Mazinho Rodrigues.

https://drive.google.com/file/d/1uvUxBYMHf3K7ij6ehV883wehSUevhl4y/view

O Cânon Bíblico

A palavra cânon não é mencionada na Bíblia, embora a raiz da qual se deriva apareça em Jó 40:21. Originalmente significava "junco" ou "talo" de papiro, capim-limão ou cálamo. Pelo fato dos juncos serem usados como réguas ou instrumentos para fazer linhas retas, "canon" passou a significar "medida" ou "haste de medição". O termo cânon foi empregado pela primeira vez como expressão teológica referente às Escrituras por Atanásio, bispo de Alexandria, na carta pascal às igrejas em que descreveu o conteúdo do Novo Testamento (307 d.C.).
A questão de quais livros pertence à Bíblia é chamada questão canônica e, refere-se à coleção de livros que passaram pelo teste de autenticidade e autoridade; significa ainda que esses livros são nossa regra de vida. Como foi formada esta coleção?

Nosso conhecimento do processo de formação resultante no cânon fixo ainda é obscuro. Infelizmente não dispomos de documentos antigos dos escribas detalhando os diversos passos do procedimento que culminou na Bíblia hebraica. Dois comentários são relevantes. 

O processo foi longo e complicado e, provavelmente deu-se em fases ao longo de vários séculos da história dos hebreus. O esboço genérico da formação da cânon a seguir organiza os dados disponíveis sobre o assunto:

Fase 1: Pronunciamentos detentores de autoridade.

Inicialmente a revelação de Deus aos hebreus era transmitida de forma oral na maioria dos casos. Mensagens como "Assim diz o Soberano Senhor" e "Ouçam a Palavra do Senhor" no Antigo Testamento, foram ditas por Isaías (1:10), Ezequiel (5:5), oralmente como receberam de Deus. Esses pronunciamentos foram passados às gerações seguintes com "Palavra do Senhor" na forma tradicional oral recebida.

Fase 2: Documentos formais escritos.

Em determinado ponto, palavras adágios e discursos divinamente inspirados foram registrados e preservados pela comunidade hebraica na forma escrita. Em certas ocasiões o pronunciamento e a escrita ou registro eram quase simultâneos, como o Livro da Lei, em Êxodo 24:3,4; Josué 1:8, e o oráculo de Jeremias para o rei Jeoaquim em Jeremias 36. Em outros casos o documento da revelação divina acontecia certo tempo após o acontecimento ou a circunstância que inspirou a Palavra do Senhor.

Fase 3: Coleção de documentos escritos.

O processo de coleção provavelmente foi extenso e abrangente, sabe-se que os Salmos foram reunidos durante o período de mais de 500 anos. Reunir os escritos de experiências hebraicas com Javé em antologias e livros era em parte, questão de conveniência para a comunidade, permitindo acesso fácil e a conservação garantida dos documentos. Acima de tudo, representava o valor, a importância e a autoridade das obras reunidas para a vida religiosa da comunidade. Esses livros exigiam atenção especial do povo hebreu (Deuteronômio 31:24-27).

Fase 4: Seleção de documentos escritos e fixação do cânon.

Os detalhes do procedimento de seleção de documentos são obscuros, mas podemos discernir os critérios básicos aplicados com o propósito de escolher e delinear o cânon. Basta dizer que o consenso entre líderes religiosos hebreus orientados pelo Espírito Santo de Deus durante o decorrer da história israelita resultou no cânon hebraico das Escrituras Sagradas.

Os testes de canonicidade

Em primeiro lugar é importante lembrarmos que certos livros já eram canônicos antes de qualquer teste lhes ser aplicados. Isto é como dizer que alguns alunos são inteligentes antes mesmo de se lhes ministrar uma prova. Os testes apenas provam aquilo que intrinsecamente já existe. Do mesmo modo, nem a Igreja nem os concílios eclesiásticos jamais concederam canonicidade ou autoridade a qualquer livro; o livro era autêntico ou não no momento em que foi escrito. A Igreja ou seus concílios reconheceram certos livros como Palavra de Deus e, com o passar do tempo, aqueles assim reconhecidos foram colecionados para formar o que hoje chamamos de Bíblia.

Que testes a Igreja aplicou?

1) Havia o teste da autoridade do escritor. Em relação ao Antigo Testamento, isto significava a autoridade do legislador, ou do profeta, ou do líder em Israel. No caso do Novo Testamento, o livro deveria ter sido escrito ou influenciado por um apóstolo para ser reconhecido. Em outras palavras, deveria ter a assinatura ou aprovação de um apóstolo. Pedro, por exemplo, apoiou a Marcos, e Paulo a Lucas.

2) Os próprios livros deveriam dar alguma prova intrínseca de seu caráter peculiar, inspirado e autorizado por Deus. Seu conteúdo deveria de demonstrar ao leitor como algo diferente de qualquer outro livro por comunicar a revelação de Deus.

3) O veredito das igrejas quanto à natureza canônica dos livros era importante. Na verdade, houve uma surpreendente unanimidade entre as primeiras igrejas quanto aos livros que mereciam lugar entre os inspirados. Embora seja fato que alguns livros bíblicos tenham sido recusados ou questionados por alguma minoria, nenhum livro cuja autenticidade foi questionada por um número grande de igrejas veio a ser aceito posteriormente como parte do cânon.

A formação do cânon

O cânon da Escritura estava-se formando, é claro, à medida que cada livro era escrito, e completou-se quando o último livro foi terminado. Quando falamos da “formação” do cânon estamos realmente falando do reconhecimento dos livros canônicos pela Igreja. Esse processo levou algum tempo. Alguns afirmam que todos os livros do Antigo Testamento já haviam sido colecionados e reconhecidos por Esdras, no quinto século a.C. Referências nos escritos de Flávio Josefo (95 d.C.) indica a extensão do cânon do Antigo Testamento como os 39 livros que hoje aceitamos. A discussão do chamado Sínodo de Jamnia (70-100 d.C.) parece ter partido deste cânon.

Jesus delimitou a extensão dos livros canônicos do Antigo Testamento quando acusou os escribas de serem culpados da morte de todos os profetas que Deus enviara a Israel, de Abel a Zacarias (Lucas 11:51). O relato da morte de Abel está em Gênesis; o de Zacarias se acha em 2 Crônicas 24:20,21, que é o último livro na disposição da Bíblia hebraica (em lugar de nosso Malaquias). Para nós, é como se Jesus tivesse dito: “Sua culpa está registrada em toda a Bíblia - de Gênesis a Malaquias”. Ele não incluiu qualquer dos livros apócrifos que já existiam em seu tempo e que continham relatos das mortes de outros mártires israelitas.

O primeiro concílio eclesiástico a reconhecer todos os 27 livros do Novo Testamento foi o concílio de Cartago, em 397 d.C. Alguns livros do Novo Testamento, individualmente, já haviam sido reconhecidos como canônicos muito antes disso (2 Pedro 3:16; 1 Timóteo 5:18) e a maioria deles foi aceita como canônica no século posterior ao dos apóstolos (Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas foram debatidos por algum tempo). A seleção do cânon foi um processo que continuou até que cada livro provasse o seu valor, passando pelos testes de canonicidade.

Os livros apócrifos

Os doze livros apócrifos do Antigo Testamento jamais foram aceitos pelos judeus ou por nosso Senhor, no mesmo nível de autoridade dos livros canônicos. Eles eram respeitados, mas não foram considerados como Escritura.

A Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento produzida entre o terceiro e o segundo século a.C.) incluiu os apócrifos com o Antigo Testamento canônico. Jerônimo (c. 340 - 420 d.C.), ao traduzir a Vulgata, distinguiu entre os livros canônicos e os eclesiásticos (que eram os apócrifos), e essa distinção acabou por conceder-lhe uma condição de canonicidade secundária. O Concílio de Trento (1548) reconheceu-os como canônicos, embora os reformadores tenham rejeitado tal decreto. Em algumas versões protestantes dos séculos XVI e XVII, os apócrifos foram colocados à parte.

Os livros apócrifos do Antigo Testamento

Estes não faziam parte do Cânon hebraico, mas todos eram mais ou menos aceitos pelos judeus de Alexandria que liam o grego, e pelos de outros lugares; e alguns são citados no Talmude. Esses livros, a exceção de 2 Esdras, Eclesiástico, Judite, Tobias, e 1 dos Macabeus, foram primeiramente escritos em grego, mas o seu conteúdo varia em diferentes coleções.

I (ou III) de Esdras: É simplesmente a forma grega de Ezra, e o livro narra o declínio e a queda do reino de Judá desde o reinado de Josias até à destruição de Jerusalém; o cativeiro de Babilônia, a volta dos exilados, e a parte que Esdras tomou na reorganização da política judaica. Em certos respeitos, amplia a narração bíblica, porém estas adições são de autoridade duvidosa. O historiador Josefo é o continuador de Esdras. Ignora-se o tempo em que foi escrito e quem foi o meu autor.

II (ou IV) de Esdras: Este livro tem estilo inteiramente diferente de 1º de Esdras. Não é propriamente uma história, mas sim um tratado religioso, muito no estilo dos profetas hebreus. O assunto central, compreendido nos caps. 3-14, tem como objetivo registrar as sete revelações de Esdras em Babilônia, algumas das quais tomaram a forma de visões: a mulher que chorava, 9:38, até 10:56; a águia e o leão, 11:1 até 12:39; o homem que se ergueu do mar, 13:1-56. O autor destes capítulos é desconhecido, mas evidentemente era judeu pelo afeto que mostra a seu povo. (A palavra Jesus, que se encontra no capítulo 7:28, não está nas versões orientais.) A visão da águia, que é expressamente baseada na profecia de Daniel (2 Esdras 12:11), parece referir ao Império Romano, e a data de 88 a.C. até 117 a.C. é geralmente aceita. Data posterior ao ano 200 contraria as citações do versículo 35 capítulo 5 em grego por Clemente de Alexandria com o Prefácio: “As­sim diz o profeta Esdras.” Os primeiros dois e os últimos dois capítulos de 2 Esdras, 1 e 2, 15 e 16 são aumentos; não se encontram nas versões orientais, nem na maior parte dos manuscritos latinos. Pertencem a uma data posterior à tradução dos Setenta que já estava em circulação, porquanto os profetas menores já aparecem na ordem em que foram postos na versão grega, 2 Esdras, 1:39,40. Os dois primeiros capítulos contêm abundantes reminiscências do Novo Testamento e justificam a rejeição de Israel e sua substituição pelos Gentios, 2 Esdras, 1:24,25,35-40; 2:10,11,34), e, portanto, foram escritos por um cristão, e, sem dúvida, por um judeu cristão.

Tobias: Este livro contém a narração da vida de certo Tobias de Neftali, homem piedoso, que tinha um filho de igual nome, O pai havia perdido a vista. O filho, tendo de ir a Rages na Média, para cobrar uma dívida, foi levado por um anjo a Ecbatana, onde fez um casamento romântico com uma viúva que, tendo-se casado sete ve­zes, ainda se conservava virgem. Os sete maridos haviam sido mortos por Asmodeu, o mau espírito nos dias de seu casamento. Tobias, porém, foi animado pelo anjo a tornar-se o oitavo marido da virgem-viúva, escapando à morte, com a queima de fígado de peixe, cuja fumaça afugentou o mau espírito. Voltando, curou a cegueira de seu pai esfregando-lhe os escurecidos olhos com o fel do peixe que já se tinha mostrado tão prodigioso. O livro de Tobias é manifestamente um conto moral e não uma história real. A data mais provável de sua publicação é 350 ou 250 a 200 a.C.

Judite: É a narrativa, com pretensões a história, do modo por que uma viúva judia, de temperamento masculino, se recomendou às boas graças de Holofernes, comandante-chefe do exército assírio, que sitiava Betúlia. Aproveitando-se de sua intimidade na tenda de Holofernes, tomou da espada e cortou-lhe a cabeça enquanto ele dormia. A narrativa está cheia de incorreções, de anacronismos e de absurdos geográficos. É mesmo para se duvidar que exista alguma cousa de verdade; talvez que o seu autor se tenha inspirado nas histórias de Jael e de Sisera, Jz 4:17-22. A primeira referência a este livro, encontra-se em uma epístola de Clemente de Roma, no fim do primeiro século. Porém o livro de Judite data de 175 a 100 a.C., isto é, 400 ou 600 anos depois dos fatos que pretende narrar. Dizer que naquele tempo Nabucodonosor reinava em Nínive em vez de Babilônia não parecia ser grande erro, se não fosse cometido por um contemporâneo do grande rei.

Ester: Acréscimo de capítulos que não se acham nem no hebreu, nem no caldaíco. O livro canônico de Ester termina com o décimo capítulo. A produção apócrifa acrescenta dez versículos a este capitulo e mais seis capítulos, 11-16. Na tradução dos Setenta, esta matéria suplementar é distribuída em sete porções pelo texto e não interrompe a história. Amplifica partes da narrativa das Escrituras, sem fornecer novo fato de valor, e em alguns lugares contradiz a história como se contém no texto hebreu. A opinião geral é que o livro foi obra de um judeu egípcio que a escreveu no tempo de Ptolomeu. Filometer, 181-145 a.C.

Sabedoria de Salomão: Este livro é um tratado de ética recomendando a sabedoria e a retidão, e condenando a Iniquidade e a idolatria. As passagens salientam o pecado e a loucura da adoração das imagens, lembram as passagens que sobre o mesmo assunto se encontram nos Salmos e em Isaías (compare: Sabedoria 13:11-19, com Salmos 95; 135:15-18 e Isaias 40:19-25; 44:9-20). É digno de nota que o autor deste livro, referindo-se a incidentes históricos para ilustrar a sua doutrina, limita-se aos fatos recordados no Pentateuco. Ele escreve em nome de Salomão; diz que foi escolhido por Deus para rei do seu povo, e foi por ele dirigido a construir um templo e um altar, sendo o templo feito conforme o modelo do tabernáculo. Era homem genial e piedoso, caracterizando-se pela sua crença na imortalidade. Viveu entre 150 e 50 ou 120 e 80, a.C. Nunca foi formalmente citado, nem mesmo a ele se referem os escritores do Novo Testamento, porém, tanto a linguagem, como as correntes de pensamento do seu livro , encontram paralelos no Novo Testamento (Sabedoria 5:18-20; Efésios 6:14-17; Sabedoria 7:26, com Hebreus 1:2-6 e Sabedoria 14:13-31 com Romanos 1.19-32).

Eclesiástico: Também denominado Sabedoria de Jesus, filho de Siraque. É obra comparativamente grande, contendo 51 capítulos. No capítulo primeiro, 1-21, louva-se grandemente o sumo sacerdote Simão, filho de Onias, provavelmente o mesmo Simão que viveu entre 370 - 300, a.C. O livro deveria ter sido escrito entre 290 ou 280 a.C., em língua hebraica. O seu autor, Jesus, filho de Siraque de Jerusalém, era avô, ou, tomando a palavra em sentido mais lato, antecessor remoto do tradutor. A tradução foi feita no Egito no ano 38, quando Evergeto era rei. Há dois reis com este nome, Ptolonmeu III, entre 247 a 222 a.C., e Ptolomeu Fiscom, 169 a 165 e 146 a 117 a.C. O grande assunto da obra é a sabedoria. É valioso tratado de ética. Há lugares que fazem lembrar os livros de Provérbios, Eclesiastes e porções do livro de Jó, das escrituras canônicas, e do livro apócrifo, Sabedoria de Salomão. Nas citações deste livro, usa-se a abreviatura Eclus, para não confundir com Ec abreviatura de Eclesiastes.

Baruque: Baruque era amigo do Jeremias. Os primeiros cinco capítulos do seu livro pertencem à sua autoria, enquanto que o sexto é intitulado “Epístola de Jeremias.” Depois da introdução, descrevendo a origem da obra, Baruque 1:1,14, abre-se o livro com três divisões, a saber:

1) Confissão dos pecado de Israel e orações, pedindo perdão a Deus, Baruque 1:15, até 3:8. Esta parte revela ter sido escrita em hebraico, como bem o indica a introdução, capítulo 1:14. Foi escrita 300 anos a.C.

2) Exortação a Israel para voltar à fonte da Sabedoria, 3:9 até 4:4.

3) Animação e promessa de livramento, 4:5 até 5:9. Estas duas seções parece que foram escritas em grego, pela sua semelhança com a linguagem dos Setenta. Há dúvidas, quanto à semelhança entre o capítulo 5 e o Salmo de Salomão, 9. Esta semelhança dá a entender que o capítulo 5 foi baseado no salmo, e portanto, escrito depois do ano 70, a.D., ou então, que ambos os escritos são moldados pela versão dos Setenta. A epístola de Jeremias exorta ou judeus no exílio a evitarem a idolatria de Babilônia. Foi escrita 100 anos a.C.

Adição à história de Daniel:

O cântico dos três mancebos (jovens): Esta produção foi destinada a ser Intercalada no livro canônico de Daniel, entre capítulos 3:23,24. É desconhecido o seu autor e ignorada a data de sua composição. Compare os versículo, 35-68 com o Salmo 148.

A história de Suzana: É também um acréscimo ao livro de Daniel, em que o seu autor mostra como o profeta, habilmente descobriu uma falsa acusação contra Suzana, mulher piedosa e casta. Ignora-se a data em que foi escrita e o nome de seu autor.

Bel e o dragão: Outra história introduzida no livro canônico de Daniel. O profeta mostra o modo por que os sacerdotes de Bel e suas famílias comiam as viandas oferecidas ao ídolo; e mata o dragão. Por este motivo, o profeta é lançado pela segunda vez na caverna dos leões. Ignora-se a data em que foi escrita e o nome do autor.

Oração de Manassés: Rei de Judá quando esteve cativo em Babilônia. Compare, 2 Crônicas 33:12,13. Autor desconhecido. Data provável, 100 anos a. C.

Primeiro livro dos Macabeus: É um tratado histórico de grande valor, em que se relatam cinco acontecimentos políticos e os atos de heroísmo da família levítica dos Macabeus durante a guerra da lndependência judaica, dois séculos a.C. O autor é desconhecido, mas evidentemente é judeu da Palestina. Há duas opiniões quanto à data em que foi escrito; uma dá 120 a 106 a.C., outra, com melhores fundamentos, entre 105 e 64 a.C. Foi traduzido do hebraico para o grego.

Segundo livro dos Macabeus: É inquestionavelmente um epítome da grande obra de Jasom de Cirene; trata principalmente da história Judaica desde o reinado de Seleuco IV, até à morte de Nicanor, 175 e 161 a.C. É obra menos importante que o primeiro livro. O assunto é tratado com bastante fantasia em prejuízo de seu crédito, todavia, contém grande soma de verdade. O livro foi escrito depois do ano 125 a.C. e antes a tomada de Jerusalém, no ano 70 d.C.

Terceiro livro dos Macabeus: Refere-se a acontecimentos anteriores à guerra da independência. O ponto central do livro e pretensão de Ptolomeu Filopater IV, que em 217 a.C. tentou penetrar nos Santo dos Santos, e a subsequente perseguição contra os judeus de Alexandria. Foi escrito pouco antes, ou pouco depois da era cristã, data de 39, ou 40 d.C.

Quarto livro dos Macabeus: É um tratado de moral advogando o império da vontade sobre as paixões e ilustrando a doutrina com exemplos tirados da história dos macabeus. Foi escrito depois do 2 Macabeus e antes da destruição de Jerusalém.

É, talvez, do 1º século d.C. Ainda que os livros apócrifos estejam compreendidos na versão dos Setenta, nenhuma citação certa se faz deles no Novo Testamento. É verdade que os pais muitas vezes os citaram isoladamente, como se fossem Escritura Sagrada, mas, na argumentação, eles distinguiam os apócrifos dos livros canônicos. São Jerônimo, em particular, no fim do 4º século, fez entre estes livros uma claríssima distinção. Para defender-se de ter limitado a sua tradução latina aos livros do Cânon hebraico, ele disse: “Qualquer livro além destes deve ser contado entre os apócrifos. Santo Agostinho, porém (354-430 a.C.), que não sabia hebraico, juntava os apócrifos com os canônicos como para os diferençar dos livros heréticos. Infelizmente, prevaleceram as ideias deste escritor, e ficaram os livros apócrifos na edição oficial (a Vulgata) da Igreja de Roma. O Concilio de Trento, 1546, aceitou “todos os livros... com igual sentimento e reverência”, e anatematizou os que não os consideravam de igual modo. A Igreja Anglicana, pelo tempo da Reforma, nos seus trinta e nove artigos (1563 e 1571), seguiu precisamente a maneira de ver de São Jerônimo, não julgando os apócrifos como livros das Santas Escrituras, mas aconselhando a sua leitura “para exemplo de vida e instrução de costumes”.

Livros pseudo-epígrafos

Nenhum artigo sobre os livros apócrifos pode omitir estes inteiramente, porque de ano para ano está sendo mais compreendida a sua importância. Chamam-se Pseudo-epígrafos, porque se apresentam como escritos pelos santos do Antigo Testamento. Eles são amplamente apocalípticos; e representam esperanças e expectativas que não produziram boa influência no primitivo Cristianismo. Entre eles podem mencionar-se:

Livro de Enoque (etiópico), que é citado em Judas 14. Atribuem-se várias datas, pelos últi­mos dois séculos antes da era cristã.

Os segredos de Enoque (eslavo), livro escrito por um judeu helenista, ortodoxo, na primeira metade do primeiro século d.C.

O livro dos Jubileus (dos israelitas), ou o Pequeno Gênesis, tratando de particularidades do Gênesis duma forma imaginária e legendária, escrito por um fariseu entre os anos de 135 e 105 a.C.

Os testamentos dos doze patriarcas: É este livro um alto modelo de ensino moral. Pensa-se que o original hebraico foi composto nos anos 109 a 107 a.C., e a tradução grega, em que a obra chegou até nós, foi feita antes de 50 d.C.

Os oráculos sibilinos, Livros III-V, descrições poéticas das condições passadas e futuras dos judeus; a parte mais antiga é colocada cerca do ano 140 a.C., sendo a porção mais moderna do ano 80 da nossa era, pouco mais ou menos.

Os salmos de Salomão, entre 70 e 40 a.C.

As odes de Salomão, cerca do ano 100 da nossa era, são, provavelmente, escritos cristãos.

O apocalipse siríaco de Baruque (2 Baruque), 60 a 100 a.C.

O apocalipse grego de Baruque (3 Baruque), do 2º século, a.C.

A assunção de Moisés, 7 a 30 d.C.

A ascensão de Isaías, do primeiro ou do segundo século d.C.

Os livros apócrifos do Novo Testamento

Sob este nome são algumas vezes reunidos vários escritos cristãos de primitiva data, que pretendem dar novas informações acerca de Jesus Cristo e seus Apóstolos, ou novas instruções sobre a natureza do Cristianismo em nome dos primeiros cristãos. Entre os Evangelhos Apócrifos podem mencionar-se:

O evangelho segundo os Hebreus (há fragmentos do segundo século).

O evangelho segundo S. Tiaqo, tratando do nascimento de Maria e de Jesus (segundo século);

Os atos de Pilatos.(Segundo século).

Os atos de Paulo e Tecla (segundo século).

Os atos de Pedro (terceiro século).

Epístola de Barnabé (fim do primeiro século).

Apocalipses, o de Pedro (segundo século).

Ainda que casualmente algum livro não canônico se ache apenso a manuscritos do Novo Testamento, esse fato é, contudo, tão raro que podemos dizer que, na realidade, nunca se tratou seriamente de incluir qualquer deles no Cânon.

Fonte de consulta: Dicionário Bíblico Universal

Fuga dos assírios - Ciaxares e Ciro discutem se devem ou não persegui-los - IV

Fuga dos assírios - Ciaxares e Ciro discutem se devem ou não persegui-los - As tropas todas acompanham Ciro, deixando Ciaxares quase só - Rebelião dos hircânios, que pertenciam ao exército dos assírios - Derrota dos assírios - Projeto de um corpo de cavalaria persa - Resolução de Ciro a respeito dos inimigos vencidos. As tropas de Ciro passam a noite no acampamento - Ciaxares irritado manda retirar os medos - Ciro lhe envia uma carta e pede um exército à Pérsia - Distribuição dos despojos dos inimigos - História de Gobrias.

Fuga dos assírios - Ciaxares e Ciro discutem se devem ou não persegui-los

Ciro ali esteve durante algum tempo com seu exército para mostrar que estava pronto a combater, se algum assírio saísse dos alojamentos; mas como ninguém se aventurasse a tal, foi estabelecer seus acampamentos na distância que lhe pareceu a propósito. Postadas as sentinelas, e expedidos exploradores, Ciro convocou os soldados, colocou-se no meio deles, e recitou este discurso:

- Persas, de todo o meu coração, como penso que todos vós também fazeis, agradeço como sempre aos deuses a vitória que acaba de dar-nos sem o menor detrimento. Desde já vos elogio a todos, porque todos tivestes parte na vitória. Quando eu tiver a notícia circunstanciada do comportamento de cada um de vós em particular, não faltarei a elogiar-vos e premiar-vos, segundo vosso mérito. Do taxiarca Crisantas, como pelejava ao pé de mim, não preciso de informações. Eu o vi pelejar, como creio que todos vós igualmente pelejáveis. Quando eu mandei retirar, chamei-o pelo seu nome, e ele, que nesta conjuntura ia a ferir um inimigo, suspendeu o golpe, para mais pontual ser sua obediência. Retirou-se e intimou os outros com tanta diligência, que pôs sua companhia fora do alcance das setas antes que os adversários percebessem a retirada, entesassem os arcos e despedissem as setas. Assim a obediência salvou do perigo a ele e aos seus. A respeito dos que vejo feridos, hei-de examinar em que ocasião o foram, e então direi o conceito que deles faço. A Crisantas, varão belicoso, prudente, bom oficial e bom soldado, dou o título de quiliarca, e não me esquecerei dele quando Deus nos conceder nova vitória. A vós todos quero fazer uma advertência. Pensai incessantemente no que vistes durante esta ação, para poderdes ajuizar se o valor, se a fuga, se o desejo de combater, se a relutância de entrar na luta, salva mais facilmente a vida; e que prazer traz consigo a vitória. Vossa experiência, e a lembrança dos acontecimentos recentes, vos constituíram juizes idôneos, e estimularam vossa coragem. Agora, ceai como homens valorosos, prudentes e afetuosos aos deuses, fazei libações, e entoai um hino, sempre prontos a executar as ordens que vos forem dadas.

Recitado este discurso, Ciro montou a cavalo e foi ter com Ciaxares. Depois que ambos folgaram, como era natural, Ciro perguntou se precisava de alguma coisa, e tornou ao exército.

Cearam as tropas de Ciro, e, postadas as sentinelas como convinha, repousaram. Os assírios, com a morte do seu rei e de quase todos os melhores soldados, perderam o ânimo, e de noite fugiram muitos do acampamento. Creso e os outros aliados, vendo isto, também desanimaram. As circunstâncias eram terríveis. Este desalento se aumentava, vendo eles os principais oficiais do exército como alienados. Assim durante a noite fugiram.

Ao despontar da aurora, apareceu deserto o arraial dos inimigos, e logo Ciro fez entrar nele suas tropas. Tinham deixado grande número de ovelhas, de bois e de carros cheios de muitas coisas úteis. Depois entraram as tropas de Ciaxares e ali jantaram. Acabado o jantar, Ciro convocou os taxiarcas, e lhes falou assim:
- Quantos e quão grandes bens, que os deuses nos oferecem, nos escapam. Estais vendo que os inimigos, dominados de medo, fugiram. Ora se eles fogem de seus entrincheiramentos, como se atreverão a medir conosco suas armas em campina rasa? Se antes de experimentar nosso valor não ousaram resistir, como hão de resistir agora vencidos e derrotados, morta no campo a melhor soldadesca?
- Sendo tão evidente - redargüiu um dos ouvintes - nossa superioridade, por que não vamos, quanto antes, no alcance dos inimigos?
- Porque não temos cavalaria. Os melhores soldados, que mais empenho teríamos em aprisionar ou matar, vão montados em cavalos. Podemos pô-los em fuga com o auxílio dos deuses; mas dar-lhes alcance, não nos é possível.

Perguntaram-lhe por que não participava isso a Ciaxares.
- Acompanhem-me todos - respondeu ele - para que veja Ciaxares que todos sois do mesmo parecer.
Todos o seguiram, e alegaram as razões que lhes pareceram mais adequadas a seu fim.
Ciaxares, ou cioso de serem os persas os primeiros a propor esta medida, ou quiçá por julgar acertado não expor-se a novos riscos (Ciaxares e muitos medos estavam então folgando) falou nestes termos:

- Sei, pelo ter visto e ouvido, que vós, persas, sois de todos os homens os que se entregam com mais moderação às delícias. Mas ainda é preciso havê-la maior nos grandes gozos. E que maiores deleites podem desfrutar os homens do que os que se vinculam à nossa presente felicidade? Se gozarmos deles com moderação, poderemos ser venturosos até à velhice; mas se formos imoderados, entregues a prazeres consecutivos, olhai não vos aconteça como aos navegantes que, deslumbrados por suas venturas, vão navegando até se perderem, ou como a muitos vencedores, que desejosos de segunda vitória, perdem o fruto da que primeiro obtiveram. Se os inimigos que vão fugindo fossem em menor número que o nosso exército, talvez lhes pudéssemos dar alcance com seguridade. Mas refleti que a vitória foi obtida sobre um pequeno número somente. Os outros não entraram em ação. Ora, se os não obrigarmos a pelejar, desconhecendo as nossas e as suas forças, ir-se-ão retirando por ignorância e covardia. Se, porém, conhecerem que é maior o perigo da fuga do que o da resistência, olhai não os façamos valorosos a seu despeito. Deveis estar certos que vosso desejo em arrebatar-lhes suas mulheres e filhos não é mais vivo que o deles em salvá-los. Adverti que um bando de javalis, posto que numeroso, ao ser descoberto, foge com seus filhos, e se o caçador apanha um destes, ainda que ali esteja um só javali, este volta-se contra o caçador. Encerrados em seu acampamento, os adversários permitiram que lhes batêssemos as forças que nos aprouve. Mas se os acometermos em um espaçoso campo, e eles aprenderem a dividir-se em brigadas, atacando uma de frente, duas pelos flancos, e uma pela retaguarda, olhai não nos faltem olhos e braços para lhes resistir. Finalmente, vendo eu os medos folgando, não quero expô-los a novos perigos.

Ciro tomou a palavra e disse:
- Não quero que obrigueis alguém a acompanhar-me; mas concedei-o a quem quiser. Talvez que voltemos carregados de despojos, que vos alegrem e a vossos amigos. Nós não vamos perseguir o grosso do exército inimigo; e como havíamos de alcançá-lo? Mas se encontrarmos algumas forças destacadas, ou deixadas atrás, essas traremos à vossa presença. Lembrai-vos que a vosso pedido viemos de mui longe auxiliar-vos; e por isso é justo que tornemos à pátria com algum galardão, e não confiemos só em vossos tesouros.

- Se algum quiser seguir-vos, agradecer-vos-ei.
- Mandai conosco alguma pessoa de confiança, que intime essa vossa determinação.
- Escolhei-a.
Por acaso estava presente um medo, que dissera ser parente de Ciro, e logo Ciro disse:
- Este me agrada.
- Vá esse contigo; e vós, medo, anunciai que quem quiser pode acompanhar Ciro.
Saindo ambos, Ciro disse ao medo:
- É agora que vós me haveis de declarar se faláveis verdade quando dizíeis que folgáveis com minha presença.
- Se dizeis isso, nunca vos deixarei.
- Porventura falareis aos outros com essa resolução?
- Eu assim o juro, até conseguir que vós também folgueis com a minha presença.

O medo desempenhou zelosamente o cargo de que o incumbira Ciaxares, e acrescentava que nunca deixaria um príncipe que vinculava com o valor a formosura de geração divina.
As tropas todas acompanham Ciro, deixando Ciaxares quase só - Rebelião dos hircânios, que pertenciam ao exército dos assírios

Entretanto chegaram, como por favor divino, embaixadores da Hircânia, nação vizinha da Assíria, pouco populosa, e por isso a ela sujeita. Os hircânios eram naquele tempo bons cavaleiros, e ainda hoje o são: por isso os assírios se serviam deles como os lacedemônios dos cirites, não os poupando nos trabalhos e nos perigos. Postavam na retaguarda cerca de mil destes cavaleiros hircânios, para experimentarem o primeiro choque no caso de acometimento por essa parte. Marchando em último lugar, os hircânios eram também os últimos na condução de seus carros e domésticos. Os hircânios, à maneira da maior parte das nações da Ásia, vão à guerra com sua família, e assim foram nesta expedição. Considerando agora que violências experimentavam da parte dos assírios, que seu rei jazia morto, que o exército estava vencido e cheio de terror e que os aliados se retiravam desanimados, entenderam em aproveitar o ensejo para a revolta, se Ciro, confederando-se com eles, quisesse ir atacar os assírios. Com este intuito enviaram embaixadores a Ciro, cujo nome adquirira celebridade nesta guerra.

Os enviados expuseram a justiça de sua antipatia contra os assírios, e se lhe ofereceram como aliados e guias, se quisesse ir contra seus opressores. Expuseram o estado em que se achavam os inimigos, para incitá-lo a armar quanto antes uma expedição.
- Parece-vos - lhes perguntou Ciro - que ainda poderemos alcançá-los antes de chegarem às suas fortalezas? Temos por infortúnio haverem eles escapado.

Falava assim para que o tivessem em grande conta.

- Amanhã, - responderam eles - se logo pela manhã principiarmos a marchar com velocidade, alcançá-los-emos. Sua marcha é lenta por causa da multidão de soldados e carros. E como toda a noite precedente estiveram alerta, pouco têm avançado.
- Que penhor nos dais da verdade de vossa palavra?
- Se marchamos, logo à noite vos enviamos reféns. E vós empenhai perante os deuses vossa palavra, e dai-nos a destra, para levarmos a nossos compatriotas este sinal de vossa fidelidade.

Ciro jurou que se eles desempenhassem o que prometiam, seriam tratados como amigos fiéis, e não tidos em menor consideração do que os persas e os medos. De feito, ainda hoje os hircânios gozam de grande confiança, e são exaltados aos cargos públicos do mesmo modo que os persas e medos.

Tanto que cearam, mandou sair suas tropas ainda com luz do sol, e ordenou aos hircânios que esperassem para irem com ele. Todos os persas saíram e também Tigranes com seu exército. Os medos vinham reunir-se em grande número, uns porque em sua puerícia foram amigos de Giro; outros porque ficaram penhorados de suas maneiras, quando com ele caçaram; estes porque queriam mostrar-se obrigados de quanto ele lhes extinguira o temor; aqueles porque, notando suas boas qualidades, esperavam que ele viesse a ser um homem feliz, grande e poderoso; quais, porque desejavam retribuir-lhe alguns favores que lhes fizera durante sua educação na Média (por sua filantropia ele obtivera de seu avô mercês para muitos); quais, porque, correndo a fama que os hircânios iam conduzi-los à vitória, desejavam partilhar a presa. Desta forma quase todos os medos acompanhavam Ciro, exceto os oficiais da casa de Ciaxares e seus subordinados. Todos os outros partiam alegres, animosos, como quem ia por livre vontade e movido de gratidão. Logo que saíram, Ciro dirigiu-se aos medos, e depois de os elogiar, implorou a proteção dos deuses e pediu que lhe dessem meios de poder recompensar o denodo de seus soldados. Afinal ordenou que a infantaria marchasse à frente, seguida da cavalaria, e que quando o exército fizesse alto, lhe enviassem alguns cavaleiros, para receber as instruções necessárias.

Tomadas estas medidas, Ciro mandou avançar os hircânios, os quais lhe perguntaram se não esperava pelos reféns para penhores de sua fidelidade.
- Em nossa coragem e em nossos braços - respondeu Ciro - temos esses penhores. Nós estamos dispostos a beneficiar-vos, se falardes a verdade, e, se nos enganardes, cremos que longe de depender de vós, decidiremos de vossa sorte, se os deuses quiserem. Hircânios, visto que dizeis que vossos compatriotas ocupam a retaguarda, ao avistá-los, anunciai para os pouparmos.
Os hircânios avançaram, admirados da longanimidade de Ciro, sem temor dos assírios, dos lídios e dos outros aliados; mas desgostosos de que Ciro fizesse pequeno cabedal da aliança com eles.

Iam marchando. De noite Ciro e o exército viram no céu uma luz brilhante, que lhes causou um medo religioso, e aguçou o ânimo contra os inimigos. Como marchavam a passos acelerados, ao romper da alva achavam-se perto dos hircânios. Os embaixadores, apenas os conheceram, disseram para Ciro:
- São estes os nossos compatriotas. Nós os conhecemos pelo lugar que ocupam, e pelas muitas fogueiras.
Ciro despachou um dos embaixadores, que os intimasse a virem juntar-se com ele com a destra levantada, se quisessem ser seus aliados. Também com o embaixador enviou alguns persas, para avisar os hircânios de que seriam tratados segundo o seu comportamento. Enquanto Ciro observava o que faziam os hircânios, mandou fazer alto. Os principais medos e Tigranes foram ter com Ciro, e lhe pediram instruções.
- Este exército que está próximo - lhes disse Ciro - é dos hircânios. Um dos embaixadores da Hircânia e alguns persas foram dizer-lhes que se quisessem ser nossos aliados, viessem ter conosco com a destra levantada. Se eles assim fizerem, recebei-os também com vossas destras e enchei-os de confiança, mas se eles tomarem as armas, ou tentarem fugir, olhai não vos escape um só.
Os hircânios, ouvindo a embaixada cheios de alegria, montaram a cavalo e vieram apresentar-se com as mãos levantadas, como fora determinado. Os medos e persas os receberam do mesmo modo, e os animaram.

- Hircânios - disse Ciro - confiamos em vós, e esperamos também merecer a vossa confiança. Em primeiro lugar dizei-me a que distância estão os chefes dos inimigos e o grosso do exército.

Responderam que a pouco menos de uma parasanga.

Ciro recitou este discurso:
- Persas, medos, e vós, hircânios, a quem eu tenho já na conta de aliados e parciais, cumpre saber que nas circunstâncias em que nos achamos a covardia acarretará sobre nós as maiores desgraças. Os inimigos conhecem bem as razões que aqui nos trazem. Se os atacarmos com vigor e audácia, vê-los-eis como escravos fugitivos descobertos, uns pedindo perdão, outros evadindo-se, outros sem saber deliberar. Só depois de vencidos nos verão, jamais pensando que nós os agredíssemos, e serão apanhados quando nem sequer estiverem formados em ordem de batalha. Se daqui em diante quisermos cear, dormir e viver com tranqüilidade, não demos lugar a que eles tomem medidas preventivas, e a que saibam que gente somos. Vejam eles só escudos, espadas, machados e golpes. Vós, hircânios, marchai na vanguarda, para que com vossas armas nos ocultemos quanto tempo for possível. Quando me aproximar dos contrários, fique comigo uma companhia de cavaleiros de cada nação, para que, ficando eu no acampamento, me sirvam se for necessário. Vós, capitães e soldados encanecidos no manejo das armas, mostrai vossa prudência, atacando em esquadrões cerrados, para não serdes repelidos pelas densas fileiras dos inimigos. Deixai ir em seu alcance os mais moços, para semear entre eles a morte. Escape o menor número possível. Se obtivermos uma vitória completa, cumpre abstermo-nos de saque. O que não se abstém, já não é homem, é um bagageiro, que qualquer tem a liberdade de tratar como escravo. Nada há mais lucrativo do que a vitória: o vencedor recebe a posse de tudo, homens, mulheres, tesouros, todo o território dos inimigos. Tende em vista o conservá-la somente. O mesmo ladrão vem ao poder do vencedor. Acabada a perseguição, recolhei-vos ao acampamento ainda com luz; de noite não se recolhe ninguém.

Aqui pôs termo a seu discurso e despediu os taxiarcas com ordem de denunciar estas coisas aos seus decadarcas, que postados à frente podiam ouvi-los. Ordenou também que os decadarcas as anunciassem às decúrias. Dadas estas providências, os hircânios marcharam adiante, Ciro no centro com os persas, e a cavalaria nos flancos.

Derrota dos assírios
Ao amanhecer, notaram os assírios sua situação. Uns pasmaram pelo que viam, outros já conheciam o perigo, estes o anunciavam, aqueles gritavam às armas, quais voltavam os cavalos, quais entrouxavam o fato, aqui tiravam as armas de cima das bestas de carga, acolá armavam-se, em outra parte montavam nos cavalos, estes lhes metiam o freio, aqueles punham as mulheres sobre as cargas, quais tomavam os objetos de mais preço, quais eram apanhados quando os estavam enterrando, a maior parte fugia. Imagine-se tudo o mais que eles fariam, exceto defender-se. Morriam sem descarregar um golpe.

Creso, rei da Lídia, como era verão, de noite enviou adiante em carros suas mulheres, para que pela fresca a viagem fosse mais cômoda. Creso as seguia com a cavalaria. Dizem que fizera o mesmo o rei da Frígia, situada nas margens do Helesponto. Estes reis, assim que souberam dos fugitivos o que se passava, principiaram também a fugir com a maior celeridade. Os reis da Capadócia e Arábia, como ainda estavam próximos, resistindo inermes, morreram às mãos dos hircânios. Quem experimentou maior perda foram os assírios e árabes, os quais, achando-se em suas terras, não apressavam sua fuga. Os medos e hircânios assim perseguiam vitoriosos. Ciro ordenou aos cavaleiros que com ele tinham ficado que rodeassem o acampamento, e matassem os que daí saíssem armados. Aos que não saíssem mandava, sob pena capital, que trouxessem as armas atadas e deixassem os cavalos junto das tendas. Os cavaleiros executaram a ordem de Ciro. As armas foram trazidas para um lugar marcado, e lhes foi posto fogo. Notou Ciro que suas tropas estavam desprovidas de vitualhas, e que sem elas não era possível tentar nenhuma empresa de momento. Curando dos meios de obtê-las com brevidade e abundância, ocorreu-lhe que todos os exércitos forçosamente tinham pessoas encarregadas do cuidado das tendas e das munições de boca. E persuadido que desta gente seria a maior parte da que acabavam de aprisionar, porque tinha o cuidado das bagagens, publicou que se apresentassem todos os provisioneiros, e no caso que faltasse algum, comparecesse o mais velho da tenda, ameaçando com penas rigorosas o que desobedecesse. Eles, vendo que os senhores obedeciam, pontualmente obedeceram também. Presentes os provisioneiros, Ciro ordenou que se sentassem os que tinham víveres para mais de dois meses; e, vendo seu número, mandou também sentar os que tinham para um mês; e quase todos se sentaram. Informado assim da porção de víveres que havia, disse:
- Se quereis afugentar os males e obter nossa afeição, preparai em vossas tendas para os senhores e servos o duplo das rações diárias, e tudo o mais que possa lisonjear o apetite; porque apenas chegarem nossas tropas vitoriosas, quererão que se lhes forneçam víveres com abundância. Sabei que vos é conveniente recebê-los de modo que não tenham de que se queixar.

As ordens de Ciro foram prontamente executadas. Ciro convocou os taxiarcas e recitou perante eles esta oração:
- Amigos, bem sabemos que agora nos podíamos entregar aos prazeres da mesa primeiro que nossos aliados, que estão ausentes; mas parece-me que isto não nos aproveitaria mais, nem nos daria maiores forças, como mostrando-nos solícitos a seu respeito, e fazendo por granjear sua afeição. Se nossos aliados que agora vão perseguindo, debelando e matando inimigos, souberem que os desprezamos, buscando deleites antes de sermos informados de sua sorte, cobrir-nos-emos de opróbrio, e nossas forças diminuirão com sua revolta. O cuidado que tivermos com os que suportam os trabalhos e arrostam os perigos, será para nós mais lauto banquete, digo, do que tratarmos logo de lisonjear nosso apetite. Pensai que mesmo no caso que os aliados não sejam credores de respeito, importa-nos muito evitar a imoderação na comida e bebida. Nossos planos não estão ainda de todo executados, e agora requerem grande vigilância. Os prisioneiros, que apanhámos no acampamento, sendo em número mais avultado que os nossos soldados, e estando soltos, importa guardá-los, para termos quem nos prepare os mantimentos. Nossa cavalaria acha-se ausente, e estamos com cuidado onde ela esteja, e se ficará conosco, quando voltar. Portanto, amigos, parece-me que devemos ser parcos, para que não se apodere de nós o sono, e não nos desampare a razão. Enquanto às muitas riquezas que existem no acampamento, não ignoro que, suposto que elas também pertençam a nossos aliados, podíamos tomar a parte que nos aprouvesse: mas parece-me mais proficiente que nos mostremos justos para com eles, para que sua amizade para conosco suba de ponto. Meu voto é que demos aos medos, aos hircânios e a Tigranes, a concessão de repartir os despojos. Se a nossa parte for menos avultada, isto mesmo é proveitoso, para que de melhor vontade fiquem conosco. O resultado de nossa avidez de riquezas seria dar-nos uma posse efêmera; entretanto que, se desprezando-as, nos fizermos senhores dos territórios que as produzem, adquiriremos uma posse constante. Em nossa pátria exercitávamo-nos em reprimir a intemperança e o imoderado amor do lucro, para combatermos estas inclinações em ocasião oportuna: e que melhor oportunidade que a atual poderá oferecer-se para mostrar o fruto de nossos exercícios?
- Seria o maior dos absurdos, ó Ciro - disse o homotimo Histaspes em apoio deste discurso - suportarmos muitas vezes a fome para apanharmos um animal de pouca valia, e quando se trata da aquisição de uma felicidade completa, deixarmo-nos soçobrar por dificuldades a que só covardes cedem, mas que superam valorosos.
Todos aplaudiram e Ciro tornou a tomar a palavra e disse:
- Atenta a unanimidade de nossas opiniões, mandai percorrer o acampamento por cinco soldados dos mais capazes de cada coorte, para louvarem os que virem entretidos em preparar as rações, como senhores repreenderem acremente os que estiverem ociosos.

Esta ordem foi executada.

Projeto de um corpo de cavalaria persa
Entretanto vinham chegando os medos, uns com carros aprisionados cheios de provisões, que haviam partido adiante, outros com carros em que vinham mulheres muito formosas, esposas e concubinas. Ainda hoje todos os asiáticos costumam levar à guerra o que têm de maior valor, dizendo que à vista dos objetos que mais estimam pelejam mais denodadamente para defendê-los. Talvez seja esta a razão.

Notava Ciro que as ações que os medos e hircânios acabavam de perpetrar e os brasões que por isso obtinham, era um desar para a fama dele e de seus soldados, que entretanto haviam permanecido ociosos. Os aliados mostraram a Ciro a presa e voltaram a continuar a perseguição, dizendo que esta ordem tinham recebido dos seus chefes. Ciro, mordendo-se, ordenou, todavia, que se colocassem por ordem os despojes, e tornando a convocar os taxiarcas, colocou-os onde seu discurso pudesse ser ouvido e principiou assim:
- Amigos, parece-me que todos nós sabemos que se nos pertencessem estes despojos, todos os persas ficariam ricos, e especialmente nós, que o havemos merecido por nossos serviços: mas não vejo como possamos jamais consegui-lo, sendo nós insuficientes sem um corpo de cavalaria nacional. Nossas armas servem para afugentar os inimigos, combatendo de perto; mas postos eles em fuga, como sem cavalos havemos de aprisionar e matar cavaleiros, arqueiros, peltastas e acontistas! Porventura recearão estes hostilizar-nos, sabendo que têm tanto que temer de nós, como de árvores, que se não movem? E sendo isto assim, está claro que os cavaleiros, nossos aliados, julgarão ter tanto direito, ou talvez mais do que nós, sobre os despojos. Tal é a nossa crítica situação. Ora, se organizarmos uma cavalaria não inferior à deles, não é bem claro que obteremos sobre os inimigos as mesmas vantagens, que agora não podemos obter sem o auxílio dos aliados, e que estes serão menos vangloriados? Quando pudermos tentar todas as empresas, que nos importará que eles nos auxiliem ou não? Creio que ninguém negará as vantagens de uma cavalaria nacional. Talvez encontreis dificuldades em sua criação: mas vamos ver o que temos e o que nos falta. No acampamento dos inimigos ficaram muitos cavalos, freios, e os mais jaezes necessários. O armamento dos cavaleiros temo-lo nós, saias de malha para cobrir o corpo, e lanças para arremessar e para conservar na mão. Que mais nos falta? Homens? É de que menos precisamos: ninguém nos servirá melhor que os nossos. Alguém se lembrará de alegar nossa imperícia na arte de equitação; mas nenhum dos que nela é perito a sabia antes de a aprender. Alguém dirá ainda que a aprenderam desde crianças; mas porventura as crianças são mais perspicazes que os homens, para aprender o que se lhes diz e mostra? E quais depois de aprenderem, terão mais vigor para trabalhar, as crianças ou os homens? Nós temos para isso mais vagar que as crianças e os outros homens. Não temos que aprender, como as crianças, a armar um arco, e dardejar uma seta; porque já o sabemos. Não temos, como os outros homens, de nos ocuparmos da cultura de terras, de exercitar ofícios, e de desempenhar outras obrigações domésticas. Todo o nosso tempo é destinado aos misteres da guerra. A arte de equitação não é como os outros exercícios guerreiros, que são úteis, sim, mas trabalhosos. Em uma marcha, quanto mais suave é ir a cavalo do que a pé! Em uma ocasião crítica, quanto não é lisonjeiro poder com presteza acudir a um amigo, e em um alcance poder com celeridade apanhar um homem ou um animal! Quanto não é cômodo trazer o animal carregado das armas de que há de servir-se e tê-las sempre à mão! Alguém poderá recear que, se for preciso entrar em ação antes de bem versado na dita arte, se torne mau infante e mau cavaleiro. Esta ilusão é fácil de desvanecer. Temos a liberdade de combater a pé, quando quisermos. Por sabermos manejar um cavalo, não nos esqueceremos dos exercícios pedestres.

Ao terminar Ciro este discurso, Crisantas, aprovando, tomou a palavra e disse:
- Com tanto fervor desejo aprender a arte de equitação, que imagino que se chego a ser cavaleiro, serei um homem com asas. Agora, quando corro atrás de um homem, fico satisfeito passando adiante dele só com a cabeça; e se vejo ir correndo um animal, lisonjeio-me de poder armar o arco e despedir a seta antes dele estar muito afastado. Sendo cavaleiro, poderei matar um inimigo a qualquer distância que o aviste; e perseguindo os animais, poderei alcançá-los e feri-los, ou atirar-lhes como a um alvo; porque se dois animais são velozes na carreira, quando se aproximam, ficam um a respeito do outro como sem movimento. Dentre todos os animais, eu desejaria imitar os hipocentauros, se é verdade que existiram com inteligência para raciocinar, com as mãos para agir, com a velocidade e força de cavalo, de maneira que alcançavam quem lhes fugia e derrubavam quem lhes resistia. Todas estas qualidades reunirei em mim, andando a cavalo: com a inteligência raciocinarei sobre todas as coisas, nas mãos trarei armas, com o cavalo irei no alcance dos contrários, com a força do bruto derribá-los-ei. Demais, não formarei, como acontece aos hipocentauros, um só corpo com o cavalo, o que é mais vantajoso. Eu creio que os hipocentauros não gozam de muitas comodidades inventadas pelos homens, nem de outras muitas particulares aos cavalos. Eu, se aprender a equitação, montado farei o mesmo que faziam os hipocentauros, desmontado cearei, vestir-me-ei, dormirei como os outros homens; de maneira que serei um hipocentauro que se pode decompor e recompor. Mas terei ainda uma vantagem sobre este animal, que vê só com dois olhos, e ouve só com dois ouvidos; enquanto eu me servirei de quatro olhos e quatro ouvidos. De feito dizem que o cavalo vê e ouve muitas coisas antes do cavaleiro e adverte este. Portanto inscrevei-me na lista dos que desejam aprender a arte da equitação.
- E a nós também - exclamaram todos os outros.
- Atento o voto comum, - instou Ciro - por que não havemos de publicar uma lei em virtude da qual fique coberto de opróbrio o cavaleiro que for encontrado a pé, seja grande ou pequeno o espaço a andar, para assim virmos a ser havidos por hipocentauros?

Todos aplaudiram a proposta. E desde aquele tempo até hoje permanece este costume na Pérsia, de sorte que nenhum persa de distinção aparece voluntariamente a pé. Eis os assuntos que se ventilaram nesse congresso.

Resolução de Ciro a respeito dos inimigos vencidos - As tropas de Ciro passam a noite no acampamento

Já passava do meio-dia quando chegaram os cavaleiros medos e hircânios com prisioneiros e cavalos. Eles não mataram os inimigos que tinham entregado as armas. A primeira coisa que Ciro lhes perguntou foi se todos se tinham salvado. Respondendo eles afirmativamente, lhes perguntou o que tinham feito. Fizeram a resenha de suas ações, magnificando cada uma delas. Ciro os ouvia com júbilo, e elogiava dizendo:
- Claramente mostrais que vos portastes com denodo; pois agora me pareceis maiores, mais gentis, e mais altivos do que antes.
Ciro continuou, perguntando que espaço haviam percorrido, e se o país era habitado. Responderam que tinham andado grande espaço, e que o país, além de ser todo habitado, estava cheio de ovelhas, cabras, bois, cavalos, trigo e outras coisas úteis.
- Duas coisas não devemos perder de vista - disse Ciro - sermos senhores dos que possuem estes bens, e ficarem eles habitando seu país. Um território habitado é de muito valor, e abandonado de seus habitantes, também privado fica de produções úteis. Enquanto aos inimigos, fizestes bem em matar os que ousaram resistir (eficacíssimo meio para conservar a vitória), e aprisionar os que entregaram as armas. Muito útil será dar a estes a liberdade; primeiro, porque nem nos será preciso guardá-los, nem sustentá-los (não sendo nosso intento matá-los a fome); em segundo lugar, soltando-os, avultará o número de nossos cativos; ora se nos assenhorearmos deste território, todos os seus habitadores cairão em nosso poder; e vendo em liberdade seus compatriotas, preferirão ficar e obedecer, a tentar a sorte dos combates. Eu penso assim: se alguém conhece algum plano mais vantajoso, pode expô-lo.

Aprovado este discurso, Ciro chamou os prisioneiros e lhes disse:
- Deveis a vida à vossa submissão. Se continuardes a agir assim, nunca vos acontecerá mal nenhum; a única diferença constituirá em serdes governados por novos chefes. Habitareis as mesmas casas, cultivareis o mesmo terreno, vivereis com as mesmas mulheres, tereis domínio sobre vossos filhos, tudo como agora. Nem conosco, nem com alguma outra nação entrareis em guerra. Se alguma vos ofender, seremos nós os vossos defensores. Para que não aconteça que alguém vos incite à guerra, trazei-nos vossas armas: os que as trouxerem, terão paz e tudo mais que lhes prometemos, sem fraude; aos que assim não fizerem, lhes levaremos guerra. Os que se nos entregarem de boa mente, para nos servirem com suas ações e conselhos, serão por nós tratados como benfeitores e amigos, e não como escravos. Gravai isto em vossa memória, e ide anunciá-lo a vossos compatriotas. Se alguns se opuserem à nossa vontade, guiai-nos contra eles, para que nós os mandemos a eles e não eles a nós.
Aqui terminou a oração. Os prisioneiros, com todas as demonstrações de respeito, disseram que cumpririam suas ordens.

Os prisioneiros partiram.
- Medos e hircânios - disse Ciro - ê tempo de cearmos todos; as coisas necessárias estão arranjadas o melhor que nos foi possível. Ide e mandai-nos metade do pão que foi preparado; bastante para todos nós. Não mandeis condimento nem coisa alguma de beber, porque temos disso abundância. Vós, hircânios, guiai-os às tendas, os chefes às maiores (vós as conheceis) e as outras distribuí-as como julgardes a propósito. Depois ceai onde quiserdes. Em vossas tendas tudo está preparado como nestas. Sabei uns e outros, que de noite nós guardaremos o exterior do acampamento, e vós tende cuidado só do interior e não largueis as armas, porque os prisioneiros que estão nas tendas não são ainda nossos amigos.

Os medos e armênios, como tudo estivesse pronto, lavaram-se, mudaram de vestidos, e principiaram a cear. Aos cavalos também não faltou que comer. Mandaram aos persas metade do pão sem conduto nem vinho, persuadidos que tinham abundância disto, como Ciro lhes dissera. Ciro, no que tinha dito, queria significar que a fome lhes serviria de conduto, a água do rio de bebida. Havendo ceado os persas, tanto que escureceu, Ciro expediu muitas quincúrias e decúrias, com ordem de se emboscarem em roda do acampamento, para impedir que alguém entrasse, e prender os que fugissem com algum esbulho, como de fato aconteceu. Muitos que iam fugindo, foram presos, e Ciro os mandou degolar; e repartiu o furto pelos que o tinham interceptado. Daqui em diante era difícil ver-se alguém sair de noite dos arraiais. Os persas assim passaram a noite. Os medos beberam, comeram, tocaram, e se entregaram a tudo que dava alegria. Eles tinham achado no campo muitas coisas em que se podiam entreter os que quisessem velar toda a noite.

Ciaxares irritado manda retirar os medos - Ciro lhe envia uma carta e pede um exército à Pérsia

Na mesma noite em que Ciro se separara de Ciaxares, este, alegre com a vitória, embriagou-se com seus cortesãos. Julgava ele que, excetuando um pequeno número, os outros medos se achavam no arraial, porque ouvia grande ruído. Eram os escravos medos, que, havendo tomado ao exército assírio vinho e outras muitas coisas de comer e beber, na ausência de seus senhores bebiam imoderadamente e faziam grande algazarra. Ao amanhecer, ninguém aparecia à porta de Ciaxares, exceto os que com ele haviam ceado. Ciaxares, ouvindo dizer que o acampamento estava vazio de cavaleiros medos, foi verificar, e vendo que assim era, bramou de raiva contra Ciro e contra os medos, pelo terem deixado só, e logo, como era homem violento e de pouco tino, ordenou a um medo que estava presente que com alguns cavaleiros fosse quanto antes ao exército de Ciro, e dissesse assim: "Nunca pensei, ó Ciro, que vossa imprudência vos arrastasse a tratar-me tão levianamente e que vós, medos, me deixásseis só. Agora, Ciro venha se quiser, mas vós quanto antes apresentai-vos".
- Senhor, - disse o enviado - como hei-de eu encontrá-los?
- Como encontrou Ciro aqueles contra quem havia partido?
- Ouço dizer que lhes serviram de guias alguns desertores hircânios.
Ouvindo isto, Ciaxares se exasperou muito mais contra Ciro, pôr lhe não ter dado parte disto; e com mais ardência querendo enfraquecer o exército, mandou chamar os medos, ameaçando a estes, e ameaçando o enviado, se não desempenhasse a missão com energia. O enviado partiu com cem cavaleiros, arrependido de não ter acompanhado Ciro. Chegando a uma encruzilhada, tomaram uma estrada por onde se perderam e só chegaram ao acampamento de Ciro depois de encontrar alguns assírios fugitivos, aos quais obrigaram a guiá-los, tendo avistado as fogueiras. Era pela meia-noite. As sentinelas não os deixaram entrar antes de amanhecer. Ao romper do dia, Ciro chamou os magos, e lhes ordenou que tirassem dos despojos os objetos que se deviam oferecer aos deuses pela vitória. Enquanto se ocupavam nisto, Ciro convocou os homotimos e disse:

- Amigos, Deus nos liberaliza grandes tesouros; mas nós somos em pequeno número para poder conservá-los. Se não guardarmos os que adquirimos, outra vez irão parar a mãos alheias; se lhes pomos guardas, ficamos sem forças. Por consequência, é minha opinião que um de vós vá, quanto antes, à Pérsia, dê conta do que por aqui se passa e faça logo vir um exército, se os persas desejam possuir o senhorio e as produções da Ásia. Vós, que sois o mais velho, parti. Exponde o que eu acabo de dizer, e acrescentai que eu me incumbo da sustentação das tropas que vierem. Estais vendo os tesouros que possuímos, não oculteis nada. A meu pai perguntai que parte deles devo mandar para oferecer aos deuses e aos magistrados, que parte devo mandar para o Estado. Recomendai que enviem também oficiais, que tomem conta no que aqui se passa, e outros para organizar um conselho. Preparai-vos, e levai convosco uma coorte.

Ciro chamou depois os medos, e ao mesmo tempo apareceu o enviado de Ciaxares; e na presença de todos falou da ira de seu tio contra Ciro, e das ameaças dirigidas aos medos, e disse por fim que ele mandava retirar os medos, ainda que Ciro quisesse ficar. Ouvindo o enviado, os medos ficaram silenciosos, não achando fundamento para desobedecer ao seu rei; e, antolhando-se-lhes a crueldade dele, temiam a realização das ameaças, se lhe obedecessem. Ciro tomou a palavra e disse:

- Enviado de Ciaxares, e vós medos, não me espanto que vosso rei, vendo muitos inimigos e ignorando nossa situação, tema que nós e ele periguemos. Quando souber que muitos inimigos jazem sem vida, e os demais foram afugentados, acabará seu temor e conhecerá que não foi desamparado por seus amigos, quando estes andavam destruindo seus inimigos. Que motivo pode ele ter para queixar-se de nós, cujas empresas são todas em utilidade sua, e não executadas por deliberação nossa? Eu obtive dele permissão para partir convosco, e vós nem sequer lho pedistes, como quem desejava separar-se dele; viestes cedendo ao convite que ele fez a quem quisesse acompanhar-me. Eu sei que a notícia da vitória há de extinguir sua ira e temor. Vós, enviado de Ciaxares, ide repousar, porque haveis de estar cansado. Nós, os persas, visto que esperamos que os inimigos ou venham combater ou prestar obediência, formemo-nos em ordem de batalha o melhor possível; porque assim será preenchido o objeto de nossos desejos. E vós, chefe dos hircânios, ordenai a vossos capitães que chamem às armas os soldados.

Cumprida esta ordem, o hircânio tornou a apresentar-se a Ciro, que lhe disse:
- Lisonjeio-me com vossa amizade e perspicácia, partes que são agora muito vantajosas; porque se os assírios são meus inimigos, para vós são eles muito mais infestos. Assim curemos de que nenhum dos nossos aliados se separe de nós, e não percamos ocasião de buscar novas alianças. Ouvistes o enviado de Ciaxares, que chama sua cavalaria. Se ela se retirar, que havemos de fazer somente com a infantaria? Convém, pois, que eu e vós ponhamos em prática os meios necessários para que o próprio enviado queira ficar conosco. Procurai uma tenda, onde ele tenha as maiores comodidades: eu dar-lhe-ei um emprego que o faça preferir ficar em nossa companhia. Falai-lhe também das grandes riquezas que todos os aliados esperam, se a fortuna patrocinar nossos projetos. Desempenhai esta incumbência, e voltai.

Enquanto o hircânio tratava de recolher o enviado medo, apresentou-se já preparado a Ciro o mensageiro que devia partir para a Pérsia. Ciro lhe recomendou que expusesse aos persas o que antes lhe tinha dito, e entregasse uma carta a Ciaxares.
- Eu quero, - continuou Ciro - ler-vos o seu conteúdo, para poderdes responder às perguntas que ele vos fizer.

"Não vos deixámos só, Ciaxares. Ninguém tem razão de se queixar de ser desamparado por seus amigos quando estes lhe andam destruindo os inimigos. A nenhum perigo vos expusemos, por nos havermos afastado. Pelo contrário quanto mais nos alongarmos, maior é a seguridade em que vos colocamos. Não são os que se assentam ao pé de seus amigos os que lhes dão essa seguridade, mas sim os que andam ao longe afugentando os inimigos. Já que me censurais, pensai no meu comportamento para convosco e no vosso para comigo. Eu trouxe-vos tropas auxiliares, e se não foram quanto pedíeis, foram quantas pude congregar. Vós, enquanto estáveis em terras amigas, fornecestes-me quantas reclamei, e agora, que estou em territórios inimigos, chamais, não os soldados somente que tenham vontade de se retirar, mas todos sem exceção. Tencionava eu agradecer a todos vós; mas agora me constrangeis a esquecer-me de vós, e a mostrar todo o meu reconhecimento para com os que me acompanharam. Contudo não quero assemelhar-me convosco. Mandei vir da Pérsia um exército, e recomendei que antes de partir possais dispor dele à vossa vontade. Posto que de menos idade, quero dar-vos alguns conselhos. Não reclameis as dádivas, que tendes feito, para que o reconhecimento não ceda o lugar à inimizade; quando quiserdes pronta obediência de alguém, não o chameis com ameaças; não ameaceis a muitos, dizendo que estais só, para não indicardes a maneira de vos desprezarem. Enfim, nós iremos a vossos pés, tanto que pusermos termo às empresas a que metemos ombros, vantajosas igualmente para vós e para nós. Adeus."
- Este é o conteúdo da carta. Entregai-a a Ciaxares - continuou Ciro - e se ele vos fizer algumas perguntas, regulai vossas respostas pelo que ouvistes ler.

Deu a carta ao mensageiro e o despediu, recomendando-lhe que fosse depressa, pois que ele mensageiro bem sabia quanto importava voltar com celeridade.

Distribuição dos despojos dos inimigos - História de Gobrias
Já Ciro via armados todos os hircânios, armênios e persas, quando chegaram alguns moradores vizinhos com cavalos e armas. Ciro mandou que pusessem as lanças, onde já antes outras tinham sido postas, e que as queimassem, exceto as de que tivessem necessidade os encarregados disto. Quanto aos cavalos, ordenou que os que os tinham trazido os ficassem guardando até segunda ordem. Depois disto chamou os chefes dos hircânios e dos medos, e lhes falou assim:

- Amigos e aliados, não vos admireis que eu vos reúna freqüentes vezes. Como é nova nossa atual situação, muitas coisas estão ainda em desordem, o que necessariamente há de causar incômodo, enquanto não tomar tudo um andamento regular. Sendo muitos os despojos e os cativos, e não sabendo nós que parte da presa nos pertence, nem os cativos que senhor hão de ter, são poucos os que cumprem seus deveres, vacilando a maior parte no que deve fazer. Para evitar este inconveniente, fazei a distribuição da presa. Os que estão alojados em barracas bem providas de mantimentos, de vinho, de criadagem, de leitos, de vestidos, e de tudo o mais que é preciso para se viver comodamente em uma barraca de campanha, não necessitam de mais nada senão que se lhes faça saber que tomem conta de suas barracas como de propriedade sua. Aos que se acharem alojados em barracas mal providas, dai-lhes o que lhes falta. Sei que hão de sobrar ainda muitas coisas, porque os inimigos tinham muito mais do que precisamos para o nosso exército. Os tesoureiros do rei assírio e de outros reis vieram ter comigo, e me disseram que eles possuíam ouro amoedado, proveniente de tributos. Notificai-lhes por um pregoeiro que vo-lo tragam, onde quer que estejais acampados, e com penas que amedrontem os que não cederem. Havendo à mão esse ouro, reparti-o pelos infantes e cavaleiros, recebendo estes o duplo daqueles, para poderdes comprar o de que necessitardes. Anuncie-se também mercado franco no acampamento, para que os vivandeiros e mercadores venham vender com segurança seus objetos, e exportar outros, fazendo-se assim freqüentado o acampamento.

Esta proclamação foi logo feita.
- Mas como - perguntaram os medos e hircânios - havemos de fazer a distribuição na vossa ausência e dos vossos?
- Porventura pensais que é preciso assistirmos todos a todos os atos; que não é bastante que eu em qualquer ocasião advogue vossa causa e vós a nossa? Aquilo seria implicarmo-nos em maior número de negócios e colher menor utilidade. Notai: nós vos guardamos a presa e vós a julgastes bem guardada; agora fazei vós a distribuição, que nós a julgaremos bem feita, e entretanto nos ocuparemos relativamente ao bem comum. Vede quantos cavalos temos, e quantos nos vêm chegando: se ninguém os montar, longe de nos serem úteis, causar-nos-ão incômodo com seu tratamento; mas se os dermos a cavaleiros, livrar-nos-emos deste trabalho, e aumentaremos nossas forças. Se tendes a quem dar os cavalos, e em cuja companhia vos seja mais agradável expor-vos aos riscos da guerra, dai-os a eles, muito embora, e se preferis nossa companhia, presenteai-nos com eles. Quando sem nós vos ides abarbar com os contrários, muito tememos vos aconteça algum desastre, e muito tememos o desar de não correr os mesmos perigos. Se tivermos cavalos, seguir-vos-emos por toda parte, e conforme julgardes mais proficiente, assim lutaremos a pé ou a cavalo, sempre com o mesmo ardor.
- Não temos - responderam eles - a quem dar os cavalos; mas ainda que tivéssemos, querendo-os vós, ninguém vos seria preferido. Recebei-os, e disponde deles a vosso talante.
- Eu os recebo, e oxalá que venhamos a ser bons cavaleiros. O resto da presa dividi-a em comum. Ponde primeiro de parte o que os magos tirarem para os deuses, e escolhei para Ciaxares o que vos parecer mais de seu gosto.
- É preciso - disseram eles rindo-se - escolher para ele mulheres formosas.
- Sejam mulheres formosas e o mais que vos parecer. Hircânios, ponde da vossa parte todo o cuidado em que estes medos, que hão seguido voluntários minhas bandeiras, não tenham motivo de queixa; e vós, medos, respeitai os hircânios, vossos primeiros aliados, para que se felicitem de nossa amizade. Contai também com o enviado de Ciaxares e seus companheiros e exortai-o a ficar conosco, para com mais individuação poder informar Ciaxares do estado das coisas. Para os meus persas será bastante o que vos sobrar depois de bem providos, porque fomos educados rusticamente e não com delicadezas. De feito, excitaríamos o riso, se nos vissem com algum objeto precioso, como havemos de excitar quando montarmos a cavalo e cairmos em terra.

Principiaram a entender na repartição da presa, rindo-se da nova cavalaria. Ciro ordenou aos taxiarcas que recebessem os cavalos, os arreios, os moços da estrebaria, e fazendo partes iguais os distribuíssem à sorte por todas as companhias. Depois mandou publicar que se houvesse no exército dos assírios, dos sírios, ou dos árabes, algum escravo trazido à força da Média, da Pérsia, da Bactriana, da Cária, da Cilícia, da Grécia, ou de qualquer outra parte, se apresentasse. Logo concorreu grande número a esta voz. Ciro escolheu as armas que lhes dava e que ele entenderia em sua sustentação. Logo os conduziu aos taxiarcas, a quem recomendou que lhes fornecessem escudos e espadas ligeiras, para poderem acompanhar a cavalaria e os provessem de uma porção de víveres igual à dos persas; e que eles, taxiarcas, nunca apeassem. Ele, Ciro, deu o exemplo, e ordenou que elegessem entre os homotimos outros chefes que em seu lugar comandassem os da mesma classe que ficaram sem cavalo.

Entrementes chegou a cavalo um velho assírio chamado Gobrias, seguido de criados também a cavalo e todos armados. Os oficiais, encarregados de receber as armas dos que se apresentavam, lhes ordenaram que entregassem as lanças para queimá-las, como já haviam feito a outras. Gobrias disse que primeiro queria ver Ciro. Os oficiais deixaram ali os criados de Gobrias, e levaram este à presença de Ciro. Gobrias, assim que o viu, falou nestes termos:

- Sou assírio de nação. Possuo um forte castelo, tenho o domínio de largo território, e fornecia cem cavalos ao rei da Assíria, que era o meu mais íntimo amigo. Mas como este bom homem morreu às vossas mãos, e lhe sucedeu seu filho, meu implacável inimigo, eu venho suplicante prostrar-me a vossos pés. Eu me entrego como vosso servo e como vosso aliado; peço-vos que vingueis minhas injúrias, e vos adoto por meu filho, porque não tenho nenhum filho varão. Tinha um filho único, belo e virtuoso, objeto da minha afeição, glória e ventura. O rei defunto, pai do que hoje é rei, mandou chamá-lo para lhe dar a mão de sua filha. Eu, extasiado de ver meu filho casado com uma princesa, o fiz logo partir. Um dia o tirano que atualmente reina, o convidou a uma caçada, e como se presumia por melhor cavaleiro que ele, o deixou caçar com toda a liberdade. Meu filho pensava estar com um amigo. Apareceu um urso, e perseguindo-o ambos, o príncipe, despedindo a seta, errou o tiro (oxalá que assim não acontecesse) e meu filho, arremessando a sua, lançou em terra o animal. O príncipe, incitado de inveja, reprimiu-a contudo. Aparece um leão, e outra vez o príncipe erra o golpe (o que não é para admirar) e meu filho o lança em terra, exclamando: "-De dois golpes sucessivos matei duas feras". Então o cunhado, sem conter os ímpetos de inveja, arranca uma lança das mãos de um dos companheiros e enterrando-a no peito de meu único filho lhe tirou a vida. Desgraçado de mim, que em vez de um noivo levei um cadáver e já tão velho sepultei um filho dileto, que apenas era entrado na puberdade. O assassino, como tendo perdido um inimigo, nunca se mostrou arrependido, nem tributou nenhuma honra à sua memória, para expiação de seu delito. Seu pai, penalizado de minha desventura, se comiserou de mim. Se ele ainda vivera, eu não viria a vossos pés queixar-me; porque entre nós se deram muitas demonstrações de recíproca amizade. Mas para com o homicida de meu filho, que acaba de subir ao trono, nunca poderei mostrar-me com a menor sombra de afeição, nem ele me pode ter na conta de amigo. Ele bem sabe quais são os meus sentimentos para com ele, quão alegre eu vivia antes da morte de meu filho e quão penosa levo agora minha velhice no meio da solidão e da dor. Se me receberdes debaixo de vossa proteção, e me derdes esperanças de vingar os manes de meu caro filho, sentir-me-ei remoçar, viverei honrado, e morrerei contente.

- Se essas vossas falas - respondeu Ciro - são a exata expressão de vossos sentimentos, ouço vossos rogos, e prometo punir o assassino com o auxílio dos deuses. Dizei-me: se além disto vos deixarmos a posse de vosso castelo, do território, das armas e da autoridade que antes tínheis, que serviços nos prestareis?
- O castelo passará a vosso domínio quando quiserdes; pagar-vos-ei os tributos que antes pagava ao rei assírio; em tempo de guerra acompanhar-vos-ei com as minhas forças. Eu tenho uma filha querida, já casadoura, cuja mão eu destinava para o atual rei, mas ela me veio pedir chorando que a não entregasse ao matador de seu irmão; e eu neste parecer estou. Eu a ponho em vosso poder. Tratai-a com a afeição que eu vos consagro.
- Com estas condições, eu vos dou minha destra, e recebo a vossa para sinal de verdade. Sejam testemunhas os deuses.
Feito isto, Ciro disse-lhe que podia retirar-se com as armas, e lhe perguntou a que distância ficava o castelo, onde tencionava ir.
- Se partirdes amanhã pela manhã, ao outro dia estareis conosco.

Gobrias deixou um guia e retirou-se.

Chegaram os medos, depois de entregarem aos magos o que estes haviam separado para os deuses. Escolheram para Ciro uma barraca mui esplêndida, uma mulher de Susa havida pela mais formosa de toda a Ásia, e duas mulheres versadíssimas na música. O que acharam de mais precioso depois disto, escolheram para Ciaxares; e se muniram de outras coisas de que precisavam, para não sofrer míngua durante a campanha. De tudo havia grande abundância. Os hircânios tomaram também aquilo de que necessitavam; e o enviado de Ciaxares teve igual parte. Entregaram a Ciro as restantes barracas para uso dos persas. Quanto ao dinheiro, assentou-se que depois de arrecadado todo, fosse repartido, e assim se fez.

Feito isto, Ciro mandou guardar as coisas escolhidas para Ciaxares por pessoas que ele sabia lhe serem muito familiares.
- As coisas que me derdes - continuou ele, - de boa vontade as recebo; mas se algum tiver precisão, poderá dispor delas.
- Ciro - disse um medo amante da música - ontem à tarde muito prazer tive em ouvir uma das músicas que vos couberam em partilha. Se me derdes uma delas, ser-me-á mais gostoso viver na campanha do que em casa.
- Eu vo-la entrego, e fico mais agradecido dando-a do que recebendo-a. Tanto anelo comprazer convosco. O medo tomou posse da música, muito satisfeito. Ler mais...